A busca por uma “Síndrome X da Dor”
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Foto:Arquivo pessoal - Dr. Carlos Gropen
DORES INTERLIGADAS
Fibromialgia, Hipermobilidade e a busca por uma “Síndrome X da Dor”
Por:Dr. Carlos Gropen | 27/12/2024 às 16:54

A fibromialgia é uma condição que causa cansaço extremo, dificuldade para dormir e uma sensibilidade exagerada do sistema nervoso. Isso significa que o corpo reage de forma muito intensa a coisas simples, como um toque leve ou sons que, normalmente, não incomodariam. Já a hipermobilidade é caracterizada por articulações que se movem além do normal, o que também pode causar dor e desconforto. Essa dor nos músculos e articulações, comum na hipermobilidade, é muito parecida com a dor da fibromialgia.

Pesquisas mostram que muitas pessoas com fibromialgia também apresentam hipermobilidade. Isso sugere que essas condições podem estar conectadas. Assim, para um tratamento mais eficaz, é necessário considerar essas duas condições juntas.

Os tratamentos para a dor da fibromialgia, como exercícios aeróbicos (caminhadas, natação) e exercícios de força (uso de pesos leves), precisam ser adaptados para quem tem hipermobilidade. Isso porque, em pessoas com articulações muito flexíveis, esses exercícios podem aumentar o risco de instabilidade e lesões.

Outro ponto importante é que pessoas com hipermobilidade têm mais chance de se machucar porque o corpo delas pode não “sentir” muito bem a posição das articulações. Isso é chamado de redução da propriocepção, que é a capacidade do corpo de perceber sua posição no espaço. Quando essa habilidade está comprometida, podem ocorrer mais lesões nos músculos e tendões. Essas lesões, por sua vez, podem aumentar a sensibilidade do sistema nervoso à dor – algo que é central na fibromialgia.

Além disso, muitas pessoas com hipermobilidade apresentam uma redução no tônus muscular, que é a tensão natural dos músculos. Isso pode estar ligado a um problema nas estruturas chamadas órgãos tendinosos de Golgi, que ajudam a regular essa tensão. Quando essas estruturas não funcionam bem, o equilíbrio muscular fica prejudicado, o que pode agravar ainda mais a dor.

Na fibromialgia, também observamos o envolvimento de fibras nervosas chamadas fibras ascendentes alfa. Essas fibras desempenham um papel importante na regulação da dor e no controle da fadiga. Quando elas não funcionam corretamente, há um desequilíbrio que afeta a percepção da dor e o funcionamento do corpo como um todo.

Para entender melhor a conexão entre fibromialgia e hipermobilidade, podemos compará-la com a descoberta da Síndrome X pelo Dr. Gerald Reaven nos anos 1980. Naquela época, essa síndrome explicava como problemas aparentemente desconectados, como hipertensão e resistência à insulina, estavam relacionados. Com o tempo, a Síndrome X passou a ser conhecida como Síndrome Metabólica, revolucionando o tratamento de problemas cardíacos e metabólicos.

Hoje, os cientistas estão investigando a possibilidade de uma “Síndrome X da Dor”. Essa nova síndrome buscaria explicar a relação entre fibromialgia e hipermobilidade, ajudando a entender por que essas condições muitas vezes aparecem juntas. Isso pode levar a novos tratamentos que abordem a dor de uma forma mais completa, assim como a Síndrome X original mudou a forma como tratamos doenças cardiovasculares.

Compreender essa possível “Síndrome X da Dor” pode ser a chave para melhorar o diagnóstico e o tratamento da dor crônica, oferecendo mais qualidade de vida para milhões de pessoas.

Assim, o estudo dessa conexão entre fibromialgia e hipermobilidade abre um novo campo na medicina, trazendo esperança para quem convive diariamente com essas condições desafiadoras.

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Dr. Carlos Gropen

Médico, especialista em Clínica Médica, Dor e Medicina Física e Reabilitação. Professor de Medicina na Universidade Nacional de Brasília (UnB), preside a Sociedade de Estudos da Dor do Distrito Federal (SED-DF), afiliada à IASP. Fundou e dirige o Instituto Brasileiro da Dor.