Maio é o mês de conscientização sobre a fibromialgia, síndrome que atinge cerca de 3% da população brasileira, principalmente mulheres entre 30 e 60 anos. A doença é marcada por dores crônicas e generalizadas, fadiga, distúrbios do sono e impacto significativo na qualidade de vida.
Essa síndrome, que afeta cerca de 3% da população brasileira, especialmente mulheres entre 30 e 60 anos, é caracterizada por dores crônicas generalizadas, fadiga, distúrbios do sono e um impacto significativo na qualidade de vida. De acordo com Dr. Carlos Gopen, médico especialista em dor, o desconhecimento sobre a fibromialgia, até mesmo entre profissionais de saúde, é um dos maiores desafios no tratamento da Fibromialgia.
Confira a entrevista completa com o Dr. Carlos Gropen, que também destaca a importância da escuta atenta e do acolhimento no cuidado aos pacientes.
COMSAÚDE – O que é fibromialgia?
Carlos Gropen – Trata-se de uma síndrome de amplificação dolorosa de origem central, caracterizada por dor crônica difusa, sem sinais de inflamação ou lesão tecidual identificável. A condição decorre de uma disfunção nos sistemas de modulação da dor no cérebro e na medula espinhal, que passam a amplificar estímulos periféricos normais ou mínimos. Trata-se, portanto, de uma falha nos filtros do sistema nervoso — e não nos tecidos.
COMSAÚDE – Quais grupos são mais afetados pela fibromialgia?
Carlos Gropen – Mulheres entre 30 e 60 anos representam a maioria dos casos, mas a fibromialgia pode surgir em qualquer idade, inclusive na infância. Estima-se que 2% a 3% da população brasileira seja afetada, o que representa milhões de pessoas com dor crônica não reconhecida ou mal tratada.
COMSAÚDE – Quais são os principais sintomas?
Carlos Gropen – A dor persistente e generalizada é o sintoma central, mas não é o único. Fadiga incapacitante, sono não reparador, rigidez muscular ao despertar, cefaleias tensionais, síndrome do intestino irritável, alterações de humor, ansiedade, depressão e dificuldade cognitiva — conhecida como “fibro fog” — compõem um quadro complexo que afeta múltiplas dimensões da vida do paciente.
COMSAÚDE – A Fibromialgia tem cura?
Carlos Gropen – Não no sentido clássico. Mas isso não significa que o paciente está condenado à dor. Com diagnóstico adequado, plano terapêutico estruturado e abordagem interdisciplinar, é possível controlar os sintomas e resgatar funcionalidade e qualidade de vida. Em muitos casos, o paciente volta a trabalhar, se exercitar e retomar seus projetos pessoais.
COMSAÚDE – Como é feito o diagnóstico?
Carlos Gropen – É essencialmente clínico. Não há marcador laboratorial específico. Usa-se uma combinação de critérios propostos pelo Colégio Americano de Reumatologia: dor em mais de quatro das cinco regiões corporais por no mínimo três meses e presença de sintomas associados. Exames são úteis para excluir condições miméticas, como hipotireoidismo, lúpus, miopatias ou neuropatias.
COMSAÚDE – Qual o maior desafio no tratamento da Fibromialgia?
Carlos Gropen – O desconhecimento, inclusive entre profissionais da saúde. Muitos pacientes passam por anos de peregrinação médica e são vítimas de desconfiança, sendo tratados como “hipocondríacos”. O segundo desafio é a expectativa irreal de que um único remédio resolverá tudo — quando na verdade o sucesso está na combinação entre reabilitação física, suporte emocional, educação em dor e, quando necessário, farmacoterapia adjuvante.
COMSAÚDE – O que o paciente pode fazer para melhorar?
Carlos Gropen – A atividade física regular, preferencialmente de baixo impacto e com progressão gradual — como caminhada, pilates ou hidroterapia — é o tratamento com maior evidência. Aliadas a ela, técnicas de regulação do sono, controle do estresse, terapia cognitivo-comportamental, estratégias de mindfulness (atenção plena) e, sobretudo, a educação sobre a própria condição formam os pilares para o sucesso terapêutico. Quando bem informado, o paciente se torna protagonista — e não coadjuvante — do seu tratamento.
COMSAÚDE – E a família, como pode ajudar?
Carlos Gropen – Oferecendo apoio, escuta e empatia. Evitar frases que desqualificam a dor — como “isso é psicológico” — e entender que trata-se de uma disfunção neurosensorial real. O ambiente emocional positivo modula favoravelmente o sistema nervoso e pode ser tão terapêutico quanto qualquer prescrição.
COMSAÚDE – A fibromialgia é uma doença autoimune?
Carlos Gropen – Não. Apesar de algumas sobreposições clínicas com doenças autoimunes, como fadiga e dores articulares, a fibromialgia não cursa com inflamação crônica nem produção de autoanticorpos. É uma síndrome funcional, com alterações neurofisiológicas, mas sem componente autoimune identificado.
COMSAÚDE – Traumas físicos ou emocionais podem desencadear a fibromialgia?
Carlos Gropen – Sim. Eventos traumáticos — sejam físicos como lesões ou cirurgias, ou emocionais como abuso, luto ou estresse pós-traumático — podem precipitar ou agravar a fibromialgia. Esses eventos alteram os circuitos de dor no cérebro e deixam o sistema mais sensível, mesmo após a resolução do trauma inicial.
COMSAÚDE – O uso de opioides (medicamentos para aliviar dores intensas) é recomendado?
Carlos Gropen – Não. A literatura é clara: opioides não melhoram os sintomas da fibromialgia e podem até agravar a dor crônica ao longo do tempo. O tratamento farmacológico deve ser feito com neuromoduladores, como antidepressivos tricíclicos, inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina, e anticonvulsivantes como a pregabalina, sempre ajustados ao perfil do paciente. No entanto, é importante destacar que pacientes com fibromialgia podem apresentar outros quadros de dor intensa que justifiquem o uso de opioides — ou seja, essa é uma exceção que deve ser considerada.
COMSAÚDE – Deixe uma mensagem final
Carlos Gropen – A fibromialgia não é falta de força de vontade, nem histeria, tampouco modismo. Trata-se de uma disfunção biológica com profundas repercussões sociais e emocionais. Validar essa dor é, por si só, terapêutico. Quando há informação de qualidade, vínculo entre médico e paciente e uma estratégia integrada, existe uma esperança real de melhora. O corpo pode aprender a doer menos — desde que seja escutado com seriedade.