HPV e o papel crucial da vacinação na erradicação do câncer do colo do útero – Portal ComSaúde Bahia
Entrevista com Especialista
Foto:Arquivo Pessoal/Nilma Antas
HPV e o papel crucial da vacinação na erradicação do câncer do colo do útero
Entrevista Publicada em: 16/04/2024

Com base nos dados do Ministério da Saúde (MS), o Brasil registra anualmente 16 mil óbitos de mulheres devido ao câncer de colo de útero – o equivalente a uma morte a cada 90 minutos, com uma média de idade de 45 anos. Apesar das opções disponíveis para prevenção, incluindo a vacinação contra o HPV, o uso de preservativos durante as relações sexuais e exames de rastreamento para detecção precoce, o câncer do colo do útero continua sendo uma das principais causas de morte entre mulheres em idade fértil no país.

Para fornecer uma explicação mais abrangente sobre este assunto tão debatido, em virtude dos números de casos e das recentes medidas para combater o câncer do colo do útero, divulgadas pelo Ministério da Saúde, convidamos a Dra. Nilma Antas, professora titular de Ginecologia na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e vice-presidente da Comissão Nacional de Vacinas da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, para participar da “Entrevista com especialista” deste mês.

Na entrevista, ela detalha o tema abordando informações sobre os tipos de HPV de alto risco, desmistificando mitos e discutindo os desafios e preocupações em relação à importância da vacinação.

Confira a entrevista:

COMSAÚDE – Quais são os tipos de HPV de alto risco que podem levar ao desenvolvimento de câncer?

Nilma Antas – Os HPV considerados de alto risco possuem a oncoproteína, que, quando incorporada ao DNA do hospedeiro (seja homem ou mulher), desenvolve lesões pré-cancerosas. Se não forem tratadas, essas lesões podem evoluir para câncer.

Os sete tipos de HPV que representam principalmente alto risco para câncer estão incluídos na vacina nona valente. Esta vacina protege contra dois tipos de HPV de baixo risco, os tipos 6 e 11, e contra os tipos de alto risco: 16, 18, 31, 33, 45, 52 e 58.

Esses sete tipos, considerados de alto risco, são responsáveis por aproximadamente 90% dos casos de câncer de colo de útero, 87% dos casos de câncer de vulva, 85% dos casos de câncer de vagina e 95% dos casos de câncer de ânus. Além disso, esses tipos também são responsáveis por 96% das lesões pré-cancerosas, conhecidas como NICs ( Neoplasias Intraepiteliais Cervicais), referem-se a alterações celulares pré-cancerosas que ocorrem no colo do útero) de alto grau (NIC2 e NIC3), em 96% dos casos.

COMSAÚDE – Quais são os principais tipos e benefícios da vacinação contra o HPV?

Nilma Antas – A vacina quadrivalente protege contra 90% dos casos de verrugas genitais, pois são causadas pelos tipos 6 e 11, e contra 70% dos casos de câncer de colo uterino, causados pelos tipos 16 e 18. No caso da vacina nona valente, ela também protege contra 90% dos casos de verrugas genitais devido à presença dos tipos 6 e 11, e oferece uma proteção de 90% contra o câncer de colo uterino, devido à sua maior abrangência de tipos de alto risco, além de proteger contra todos os outros cânceres já citados.

COMSAÚDE – A vacina contra o HPV deve ser administrada em todas as faixas etárias, independentemente do início da atividade sexual?

Nilma Antas – Na verdade, todas as faixas etárias se beneficiam ao tomar a vacina. É evidente que quanto mais cedo tomar a vacina, principalmente antes do início da atividade sexual, mais benefícios ela vai obter. Isso ocorre porque a pessoa estará menos exposta aos tipos de vírus HPV, o que permite uma maior eficácia da vacina. No entanto, mesmo que alguém já tenha tido relações sexuais com múltiplos parceiros, diversas faixas etárias ainda podem se beneficiar da vacinação.

A vacina protege contra os tipos de vírus que a pessoa ainda não contraiu, além de fortalecer a imunidade contra os tipos com os quais ela já teve contato. Já foi demonstrado que, mesmo que uma pessoa tenha sido infectada com o HPV em uma idade jovem, como 18 ou 19 anos, seus anticorpos podem diminuir ao longo do tempo e ela pode ser reinfectada pelo mesmo tipo de HPV após muitos anos.

Portanto, há benefícios em todas as faixas etárias, e a vacina está disponível até os 45 anos de idade, conforme indicado na bula. Tanto homens quanto mulheres devem considerar a vacinação, mesmo que já tenham iniciado sua vida sexual.

COMSAÚDE – Como a inclusão do teste molecular de detecção do HPV no SUS pode impactar a prevenção e o diagnóstico do câncer de colo do útero?

Nilma Antas – Ao longo dos anos, tem-se observado que a citologia oncótica do colo uterino, também conhecida como exame de Papanicolaou (preventivo do colo do útero), apresenta uma sensibilidade e exatidão menores na detecção de lesões pré-cancerosas em comparação com o teste de HPV. Assim, o teste de HPV demonstra ser mais sensível na detecção dessas condições.

Portanto, pacientes que testam positivo para tipos de HPV de alto risco devem ser submetidas à colposcopia (exame ginecológico para avaliar o trato genital inferior), pois há uma alta probabilidade de apresentarem lesões associadas ao HPV. Em seguida, é realizada uma biópsia para determinar a gravidade da lesão, se é de baixo ou alto grau, para então iniciar o tratamento.

A implementação difundida do teste de HPV como método primário de triagem no Brasil será muito benéfica. Além disso, em termos de logística, é mais conveniente do que a citologia, pois é mais fácil de coletar, acondicionar e enviar ao laboratório. A leitura também é automatizada por máquinas, eliminando a necessidade de um citologista treinado para analisar as lâminas, o que facilita ainda mais a logística e a expansão do serviço.

Com isso, espera-se uma maior cobertura do teste de triagem, possibilitando que mais pacientes sejam diagnosticadas e tratadas precocemente.

COMSAÚDE – Quais são os principais mitos ou preocupações comuns sobre a vacinação contra o HPV?

Nilma Antas – Um dos mitos associados à vacina HPV é a preocupação de que ela possa causar problemas de saúde em adolescentes. No entanto, isso não é verdade. A vacina demonstrou ser segura ao longo dos quase 15 anos desde o seu lançamento. É considerada segura, com efeitos adversos semelhantes aos de qualquer outra medicação, geralmente de magnitude reduzida. Portanto, o custo-benefício da vacina é muito favorável, e as adolescentes não precisam temer.

Houve alguns casos relatados há alguns anos de adolescentes que se sentiram mal após receber a vacina. No entanto, esses casos foram cuidadosamente avaliados e analisados, e descobriu-se que se tratava de uma reação psicológica. Embora tenha havido uma resposta em massa, envolvendo várias adolescentes, não foi encontrada uma associação causal entre esses eventos e a vacinação.

COMSAÚDE – Quais as recomendações para prevenir o HPV?

Nilma Antas – A forma de prevenção contra o HPV inclui evitar múltiplos parceiros sexuais, ou seja, evitar trocas frequentes de parceiros. Sempre que possível, é recomendado o uso de preservativos, embora não ofereçam proteção completa, podem ajudar a reduzir a transmissão do HPV. Além disso, a vacinação é uma medida crucial.

Atualmente, com a vacina nona valente disponível em clínicas privadas, há uma ampliação significativa da proteção contra mais tipos de HPV.

COMSAÚDE – Pacientes que já tiveram uma lesão causada pelo HPV e foram tratadas podem se beneficiar da vacinação?

Nilma Antas – Sim, estudos mostram que a vacinação pode reduzir significativamente o risco de recorrência da lesão em quase 60%. Portanto, mesmo que já tenham tido uma lesão relacionada ao HPV, ainda há benefícios em receber a vacina, pois ela protege contra os tipos de HPV não adquiridos anteriormente e ajuda a diminuir a recorrência da lesão tratada. É importante notar que a proteção oferecida pela vacina está relacionada aos tipos de vírus incluídos na vacina específica.

COMSAÚDE – Quais vacinas estão disponíveis no setor público e privado atualmente?

Nilma Antas – No setor público existe a vacina quadrivalente que protege para os tipos 6, 11, 16 e 18 e no setor privado existe a vacina nonavalente que protege para os 6, 11, 16, 18, 31, 33, 45, 52 e 58. No setor público, a vacina está disponível para meninos e meninas de 9 a 14 anos, além de homens e mulheres de 9 a 45 anos que sejam HIV positivos, transplantados, pacientes oncológicos e vítimas de violência sexual.

Mais recentemente, o Ministério da Saúde iniciou o que chama de uma tentativa de resgate das meninas e meninos que não foram vacinados até os 19 anos, com base na disponibilidade de vacinas. Eles iniciarão esse esforço pela região Norte e, conforme o número de vacinas disponíveis, expandirão para outras regiões do país.

Já na rede privada, a vacina nona valente está disponível para homens e mulheres, meninos e meninas, de 9 a 45 anos.

COMSAÚDE – Quais são os desafios enfrentados na implementação da vacinação contra o HPV em toda a população-alvo?

Nilma Antas – O principal desafio está na implementação pelo SUS, que depende das mães levarem os adolescentes aos postos de saúde. No entanto, os postos de saúde não funcionam aos sábados, o que dificulta conciliar os horários das mães, muitas das quais trabalham, com os dos adolescentes, que estão na escola.

Além disso, alguns adolescentes têm medo de agulhas, o que acrescenta uma barreira adicional. Ao contrário das crianças, que podem ser facilmente levadas pelas mães e vacinadas, os adolescentes enfrentam questões próprias da idade que tornam o acesso mais difícil. Quando a vacinação contra o HPV ocorreu nas escolas, a cobertura foi significativamente maior. No entanto, após a saída das campanhas das escolas, a cobertura tem diminuído consideravelmente.

 


Nilma Antas Neves

Professora titular de Ginecologia da Universidade Federal da Bahia. Vice-Presidente da Comissão Nacional de Vacinas da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia. Membro da Diretoria da Associação Brasileira de Patologia do Trato Genital Inferior. Possui doutorado em Imunologia e mestrado em Assistência Materno-Infantil.