O cenário relacionado às baixas coberturas vacinais desperta preocupações sobre a possível ressurgência de doenças outrora controladas, além de suscitar debates complexos sobre a segurança e eficácia das vacinas. Neste contexto, compreender os motivos por trás dessa tendência é fundamental para elaborar estratégias eficazes que possam restaurar a confiança no poder e importância das imunizações.
Confira a entrevista completa com a Dra Isabella Ballalai, que tem ampla experiência na elaboração de campanhas de comunicação e educação em saúde.
COMSAÚDE – Quais os principais fatores que levam as pessoas a hesitar ou recusar vacinas?
Isabella Ballalai – A percepção de risco para a doença é o principal motivador para a busca da vacinação. Vários exemplos ilustram esse fenômeno, incluindo a preocupante baixa cobertura entre crianças menores de 5 anos em relação à Covid-19. A disseminação de desinformação, como a noção falsa de que as vacinas são prejudiciais para as crianças, contribui para esse cenário. O medo de efeitos adversos também desempenha um papel importante.
Além disso, questões relacionadas ao acesso às vacinas são significativas. Restrições de horário, falta de disponibilidade em determinados locais e informações incorretas fornecidas nos postos de vacinação podem desencorajar ainda mais a imunização. Esses fatores combinados resultam em uma cobertura vacinal inadequada.
COMSAÚDE -O que você pode falar sobre a desinformação das vacinas
Isabella Ballalai – Não apenas as mães têm sido alvo de informações contrárias à vacina, alegando que a vacina pode matar as crianças, o que não é verdade, mas também a disseminação de desinformação. Outro exemplo, que também não é verídico, é a última epidemia de febre amarela em 2018, que foi a maior desde 1980. Isso resultou na escassez de vacinas para muitas pessoas que deveriam ter sido vacinadas de acordo com a rotina, mas que não se imunizaram e, durante o surto, correram para buscar proteção, incluindo idosos. No início da epidemia, havia a noção de que não era o momento certo para vacinar os idosos, devido à possibilidade extremamente rara de a vacina contra a febre amarela causar eventos adversos graves que poderiam levar à morte. Junto com a percepção de risco, surge o medo de eventos adversos.
Também podemos citar o exemplo do Brasil no início da campanha de vacinação contra a Covid, quando não tínhamos vacina disponível e a desinformação sobre as vacinas já era disseminada. Chegaram até a afirmar que as pessoas iriam se transformar em ‘jacarés’, o que não impediu os brasileiros de buscar a vacina. Isso ilustra a falta de percepção de risco.
COMSAÚDE – Como a disseminação de informações falsas e teorias da conspiração online afetam a aceitação de vacinas?
Isabella Ballalai – A questão da percepção de risco da vacina, uma alta percepção de eventos adversos, muito alimentada pela desinformação, faz com que as pessoas hesitem. Esses três fatores juntos são suficientes para baixar a cobertura vacinal.
COMSAÚDE – Qual a importância das redes sociais e da mídia na disseminação de informações sobre vacinas, tanto precisas quanto enganosas?
Isabella Ballalai – As teorias conspiratórias e a disseminação de informações falsas, conhecida em inglês como “misinformation” (desinformação) e “disinformation” (desinformação intencional), desempenham um papel significativo. A “misinformation” difere da “disinformation” por ser intencional, com um propósito específico, em contraste com informações equivocadas que muitas vezes são disseminadas sem intenção de enganar.
A ‘infodemia’, que representa essa avalanche de informações durante a Covid-19 na interbet, afeta a população em um momento de extrema vulnerabilidade. É crucial compreender os motivos conscientes e inconscientes que levam as pessoas a não buscarem a vacina.
Durante a pandemia, os aspectos inconscientes se intensificaram consideravelmente. Atualmente, o debate em torno da vacinação pode desencadear discussões acaloradas. Observamos dois extremos: os que defendem a vacina olham com desdém para os que são contra, enquanto os oponentes muitas vezes adotam uma postura agressiva em relação aos que apóiam a vacina. Essa dinâmica reflete questões psicológicas com viés de decisão, cruciais não apenas para a vacinação contra a Covid, embora seja o foco predominante, mas também para qualquer tipo de imunização.Isso acaba deixando o brasileiro despreocupado, levando à falta de percepção de risco e negligência em relação à doença.
As rotinas diárias, incluindo compromissos de crianças, adolescentes e seus pais, tendem a tomar precedência, resultando na falta de priorização da vacinação. A conscientização só parece se tornar uma prioridade quando o perigo se torna evidente, como ocorreu no primeiro ano de vacinação. Apesar da demora na disponibilidade da vacina, o Brasil foi um dos países que mais rapidamente alcançou 80% da população vacinada com duas doses da vacina Covid-19.
COMSAÚDE BAHIA – De que maneira as influências sociais, como amigos, familiares e comunidades, afetam as decisões das pessoas em relação à vacinação?
Isabella Ballalai – Atualmente, as discussões sobre vacinação têm se tornado tão acaloradas quanto as discussões políticas, levando a conflitos entre familiares e amigos. Muitas decisões são influenciadas pelo subconsciente, que é alimentado pelos argumentos dos grupos anti-vacina, que tentam influenciar a percepção de custo-benefício na decisão de vacinar. Durante a pandemia, algumas famílias acreditavam erroneamente que as crianças estavam menos em risco, ignorando os relatórios do Ministério da Saúde que documentam mortes de crianças e adolescentes. Além disso, mesmo diante da baixa probabilidade de efeitos adversos graves, algumas pessoas optam por não vacinar suas famílias. As decisões sobre vacinação são tomadas com base no peso atribuído a esses fatores.
COMSAÚDE BAHIA – Quais estratégias têm se mostrado eficazes para combater a hesitação em relação às vacinas?
Isabella Ballalai – A estratégia recomendada pela Organização Mundial da Saúde e outras instituições é ouvir, compreender e considerar antes de agir, especialmente durante a introdução de uma nova política de saúde, como a implementação de uma nova vacina. Nesses momentos, há um pico de desinformação, com informações destinadas a desacreditar a nova recomendação.
A abordagem da ‘infodemia’ deve ser similar à de uma doença infecciosa altamente transmissível, exigindo vigilância para identificar os transmissores e os disseminadores de desinformação. É crucial estar sempre à frente, agindo proativamente para desmascarar informações falsas, pois apenas desmentir não é suficiente para corrigir percepções já arraigadas.
COMSAÚDE BAHIA – Quais são as tendências atuais na pesquisa sobre vacinação e como elas podem contribuir para promover a aceitação de vacinas?
Isabella Ballalai –Com relação às futuras pesquisas sobre vacinação, a agenda de comunicação, infodemia, desinformação, misinformation e disinformation estão em destaque. Na Organização Mundial da Saúde, temos trabalhado desde 2020 em guias sobre como lidar com esses desafios.
É fundamental que as autoridades públicas assumam a liderança nesse aspecto, e é para elas que a Organização Mundial da Saúde elabora esses guias. É crucial ouvir e prestar atenção, compreender as dúvidas das pessoas e identificar suas vulnerabilidades. Não se trata apenas de atingir a população em geral, mas de abordar os grupos específicos de forma profissional. Enfrentar a desinformação é importante, porém não é suficiente, uma vez que os propagadores de notícias falsas já sabem antecipadamente as vulnerabilidades e como direcionar suas mensagens. Devemos ser mais empáticos, demonstrando preocupação não apenas com a cobertura vacinal, mas também com o bem-estar das pessoas.
A abordagem de comunicação deve se concentrar em educar sobre as doenças, reavivar a percepção de risco e transmitir genuíno cuidado com os indivíduos e grupos específicos, em vez de simplesmente convocá-los para campanhas de vacinação.
COMSAÚDE BAHIA – Que conselhos você daria aos leitores que desejam se informar melhor sobre vacinas e apoiar a promoção da vacinação em suas comunidades?
Isabella Ballalai – Para obter informações confiáveis, recomendo que a população procure em sites e mídias confiáveis, como a Organização Mundial da Saúde, o Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Imunizações. Esta última possui um site para o público chamado “Família SBIM“, que utiliza linguagem acessível para facilitar a compreensão. Além disso, é crucial que os pediatras e outros profissionais médicos se informem de maneira apropriada.
COMSAÚDE BAHIA – Que mensagem você pode deixar sobre a vacinação atualmente?
Isabella Ballalai – É importante observar que aqueles que se opõem à vacinação são minoria no país. Embora possam causar um grande alvoroço, constituem apenas uma pequena parcela da população, especialmente quando se trata de crianças e em relação à Covid-19. No entanto, para a maioria da população, a cobertura vacinal é amplamente satisfatória. A falta de ênfase se dá pelo fato de que muitos não veem mais a Covid-19 como uma ameaça.
Minha sugestão para a população é buscar compreender e analisar os dados disponíveis nos relatórios do Ministério da Saúde, incluindo informações sobre o número atual de mortes por Covid-19.
É crucial lembrar que as vacinas não proporcionam proteção vitalícia, como muitos preferem ignorar ou desacreditar, e que não é incomum precisar de reforços em outras vacinas. Vacinas não salvam vidas por si só; o que salva a vida mesmo é a vacinação, porque deixar as vacinas armazenadas em câmaras frias nos centros de vacinação sem uso não salva ninguém. Se ninguém for lá, ela acaba sendo descartada, o que é muito triste para o nosso país.
Diretora da Sociedade Brasileira de Imunização (SBIm) e ex-presidente (2015 a 2018). Atua há mais de 30 anos nas áreas de imunização e saúde escolar, com ampla experiência na elaboração de campanhas de comunicação e educação em saúde. É membro da Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização do Programa Nacional de Imunizações (CTAI-PNI), membro do Comitê Técnico Assessor em Imunizações do Estado do Rio de Janeiro, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (SOPERJ) e do Grupo de Trabalho em Imunizações do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ), do Comitê de Imunizações da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), do Departamento Científico Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).