A automedicação é uma prática imprudente comumente adotada pelos brasileiros, especialmente em períodos de crises sanitárias, como a que vivenciamos atualmente devido à propagação da dengue e outros males associados ao mosquito Aedes aegypti.
Pensando nisso, procuramos o farmacêutico e professor Genario Oliveira, especialista em Assistência Farmacêutica, Mestre em Medicina e Saúde e Doutor em Ciências da Saúde pela Universidade Federal da Bahia, com o objetivo de discutir a questão crucial dos riscos associados à automedicação em tempos de epidemia de dengue.
Na entrevista, ele compartilha informações essenciais sobre como a automedicação pode impactar negativamente os pacientes durante esse período crítico, enfatizando a importância de orientações adequadas e o papel fundamental dos profissionais de saúde na promoção de práticas seguras.
COMSAÚDE – Por que a automedicação é considerada arriscada?
Genario Oliveira – A automedicação é o ato de usar medicamentos sem orientação profissional. O uso de medicamentos por conta própria nem sempre é a melhor forma de cuidar da saúde. Pode mascarar problemas de saúde mais sérios, que exigem atendimento especializado ou até mesmo serviços de emergência em quadros agudos.
Além disso, utilizar medicamentos que tenham funcionado para um vizinho ou familiar não garante a eficácia no tratamento do paciente que se automedica inadvertidamente, pois as condições clínicas podem ser diferentes. Por fim, ao se automedicar, o paciente geralmente não recebe as orientações adequadas sobre dosagem, duração do tratamento e possíveis efeitos colaterais, o que pode acarretar consequências negativas para a saúde.
COMSAÚDE – Quais são os perigos específicos de automedicar-se durante um surto de dengue?
Genario Oliveira – Nas últimas décadas, o conceito de automedicação responsável tem sido implementado, o que significa que a ação de autocuidado é realizada com a orientação de um profissional de saúde. A automedicação em pacientes com suspeita de dengue pode levar ao uso de medicamentos que podem agravar o quadro, como o uso de aspirina ou AAS, que podem levar ou exacerbar um quadro de hemorragia, o que é um risco em alguns pacientes com dengue mais grave.
COMSAÚDE – Qual é o papel dos medicamentos comuns de automedicação no agravamento dos sintomas da dengue?
Genario Oliveira – A dengue pode ser classificada em clássica e hemorrágica, sendo esta última caracterizada pela destruição das plaquetas responsáveis pela coagulação sanguínea. Nessa condição, o paciente pode apresentar episódios de sangramento, que às vezes são evidenciados na gengiva ou nas fezes. A aspirina ou AAS podem exacerbar um quadro de hemorragia, uma vez que esses medicamentos atuam diminuindo a agregação plaquetária, o que minimiza a coagulação sanguínea.
COMSAÚDE – A automedicação pode mascarar os sintomas graves da dengue e retardar o diagnóstico e tratamento adequados?
Genario Oliveira – Um dos grandes problemas da automedicação é o risco de mascarar sintomas e dificultar o diagnóstico preciso e mais rápido do paciente, em especial quando outros problemas de doença de características sazonal podem ter características de manifestação semelhantes à dengue. O diagnóstico tardio ou inadequado pode aumentar as chances de desenvolver um quadro de dengue mais grave, bem como iniciar um tratamento ineficaz.
COMSAÚDE – Quais são os sinais de alerta de complicações da dengue que requerem atenção médica imediata?
Genario Oliveira – Pacientes que apresentam sintomas como cansaço, inclusive ao realizar esforços habituais como caminhar, dores no corpo, dor abdominal, sinais de sangramento na gengiva ou nas fezes, e o surgimento de petéquias – pequenas manchas marrom-arroxeadas causadas por sangramento sob a pele, devem estar atentos a esses sinais de alerta, os quais não devem ser negligenciados. É fundamental procurar atendimento médico imediatamente
COMSAÚDE – A automedicação inadequada pode contribuir para o desenvolvimento de cepas resistentes do vírus da dengue?
Genario Oliveira – Acredito que não. Os medicamentos que são disponíveis para automedicação nos casos de dengue, em geral são para aliviar os sintomas e nenhum deles é capaz de produzir mecanismos de indução de resistência viral ou modificação de genes no vírus da dengue. Os riscos são para o paciente mesmo.
COMSAÚDE – Qual é o papel da educação pública na conscientização sobre os perigos da automedicação e na promoção de práticas de saúde responsáveis durante surtos de dengue?
Genario Oliveira – O papel da educação é, sem dúvida, fornecer informações adequadas não apenas sobre os riscos da automedicação, mas também sobre os sinais e sintomas da dengue. Estamos enfrentando uma epidemia no país e todos os esforços para promover a saúde são bem-vindos. As farmácias comunitárias e comerciais representam uma ótima estratégia, uma vez que contam com profissionais de saúde, como os farmacêuticos, disponíveis para auxiliar e fornecer informações adequadas sobre o uso correto de medicamentos.
COMSAÚDE – Você pode citar estudos científicos ou ações educativas, na Bahia ou no Brasil, que destacam os perigos da automedicação?
Genario Oliveira – Dispomos de um material didático e autoexplicativo elaborado pelo Ministério da Saúde. São cartilhas sobre os cuidados no uso de medicamentos. Confira aqui.
Algumas iniciativas relacionadas à automedicação são desenvolvidas pela Farmácia Universitária da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Inclusive, utilizam uma rede social para divulgar e informar a população, que é o @farmauniufba
Farmacêutico pela Universidade Federal da Bahia, especialista em Assistência Farmacêutica, mestre em Medicina e Saúde e Doutor em Ciências da Saúde pela Universidade Federal da Bahia. É Professor de Farmácia Clinica na Faculdade de Farmácia da UFBA. Desenvolve projeto de pesquisa na área de Farmácia, com ênfase em Assistência Farmacêutica, Farmácia Clínica, Pesquisa Clínica e Farmacovigilância.