A série da Netflix ‘Pedaço de Mim’ estreou este mês, contando a história da personagem principal, Liana, interpretada pela atriz Juliana Paes, que descobre estar grávida de gêmeos de pais diferentes — uma condição rara conhecida como superfecundação heteroparental.
A superfecundação heteroparental é um fenômeno raro em que gêmeos fraternos (não idênticos) têm pais biológicos diferentes. Isso ocorre quando uma mulher libera dois ou mais óvulos durante o mesmo ciclo menstrual, e esses óvulos são fertilizados por espermatozoides de diferentes parceiros sexuais. Em outras palavras, os bebês que se desenvolvem a partir dessas fecundações carregam materiais genéticos divergentes.
Para que ocorra naturalmente esse tipo de gestação a mulher precisa ter relações sexuais com dois homens diferentes dentro de um período relativamente curto, geralmente dois a três dias.
A Dra. Isa Alves Rocha, ginecologista e especialista em reprodução humana do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, da Universidade Federal da Bahia (Hupes-UFBA) e vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), explica com mais detalhes na entrevista abaixo.
COMSAÚDE – Quão rara é essa condição? Existe frequência estimada de casos?
Dra. Isa Alves Rocha – A probabilidade de uma mulher ovular espontaneamente dois óvulos no mesmo ciclo menstrual é muito baixa (cerca de 1%). Para que ambos sejam fecundados, é necessário considerar a qualidade dos óvulos (o que depende muitas vezes da idade da mulher — por exemplo, quanto mais jovem, melhor a qualidade do óvulo) e a qualidade seminal. Portanto, é difícil determinar a frequência, mas é algo extremamente raro.
COMSAÚDE – Como ocorre a superfecundação heteroparental?
Dra. Isa Alves Rocha – Ocorre quando uma mulher libera dois óvulos, o que já é bem raro, e tem relações sexuais com dois homens diferentes em um curto espaço de tempo (2- 3 dias no máximo) durante o seu período fértil.
COMSAÚDE – Quais são os métodos utilizados para confirmar que gêmeos são de pais diferentes?
Dra. Isa Alves Rocha – Normalmente, o exame realizado é o teste de DNA por ser o método mais confiável. Ele oferece resultados precisos e pode ser realizado mesmo antes do nascimento dos gêmeos, através de procedimentos invasivos como amniocentese (coleta de liquido amniótico que contem células fetais) ou biópsia de vilo corial (com coleta de material da placenta). Vale ressaltar que estes testes ainda na gravidez apresenta risco à gestação de um possível aborto.
COMSAÚDE – Existem fatores que aumentam a probabilidade de uma mulher ter gêmeos de pais diferentes?
Dra. Isa Alves Rocha – Sim. Em mulheres que apresentam naturalmente uma tendencia a liberação de dois óvulos nos ciclos menstruais e que realizem relações sexuais com múltiplos parceiros durante o período fértil. Outro cenário seria em caso de tratamento de infertilidade em que a estimulação ovariana libera mais de um óvulo no mesmo ciclo.
COMSAÚDE – Há algum sintoma ou sinal durante a gravidez que possa indicar a superfecundação heteroparental?
Dra. Isa Alves Rocha – Não existe um sintoma específico durante a gravidez que indique esta condição, porém há de se considerar a história clínica da mulher com relato de relações sexuais com parceiros distintos.
COMSAÚDE – A superfecundação heteroparental traz algum risco adicional para a mãe ou para os bebês?
Dra. Isa Alves Rocha – A princípio não, porém gestações múltiplas são conhecidas por terem um risco aumentado de complicações, como parto prematuro, restrição de crescimento fetal, pré-eclâmpsia e problemas relacionados ao parto. Deve-se levar em consideração o aspecto emocional da família diante deste cenário inusitado. Aconselhamento genético e suporte psicológico podem ser importantes para ajudar a lidar com essas questões.
COMSAÚDE – Há alguma orientação específica para o cuidado pré-natal em casos de superfecundação heteroparental?
Dra. Isa Alves Rocha – O cuidado pré-natal deve considerar os riscos de uma gestação gemelar, visando garantir a saúde da mãe e dos bebês, bem como oferecer suporte emocional adequado, tanto para a mãe quanto para a família em geral que pode não ter o preparo psicológico suficiente para lidar com esta situação atípica.
@dra.isa.rocha
Médica ginecologista, especialista e mestre em Reprodução Humana
Membro da Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (CREMEB).