Especialistas de hospitais federais esclarecem e desmistificam a hanseníase – Portal ComSaúde Bahia
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JANEIRO ROXO
Especialistas de hospitais federais esclarecem e desmistificam a hanseníase
Doença é curável, não transmissível quando tratada, e pacientes têm acesso à assistência completa pelo SUS
Por:Susy Moreno | 27/01/2024 às 07:05

A hanseníase é um problema de saúde pública notificada com mais de 19 mil casos em todo o Brasil, entre janeiro e novembro de 2023, segundo o painel de monitoramento do Ministério da Saúde. Revestida pela cor roxa, a campanha no mês de janeiro alerta sobre a importância do diagnóstico e tratamento precoces.

Segundo a Sociedade Brasileira de Dermatolgia (SBD), a hanseníase é uma doença infecciosa causada por uma bactéria chamada Mycobacterium leprae ou bacilo de Hansen, tendo sido identificada no ano de 1873 pelo cientista Armauer Hansen. Especialistas dos hospitais vinculados à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), reforçam que o ‘Janeiro Roxo’ também deve combater o preconceito ainda muito presente sobre o tema.

Além da campanha Janeiro Roxo, o mês reforça a conscientização sobre a doença com as datas do Dia Mundial contra a Hanseníase, celebrado sempre no último domingo de janeiro, e, no calendário de saúde brasileiro, com 31 sendo considerado como Dia Nacional de Combate e Prevenção da Hanseníase (Lei nº 12.135/2009).

Sintomas
De acordo com o dermatologista e hansenologista, Ebert Aguiar, do Hospital de Doenças Tropicais da Universidade Federal do Tocantins (HDT-UFT), a hanseníase acomete os nervos periféricos. Por esse motivo, os sintomas se refletem em sensações de choques, dormência e/ou queimação, perda da sensibilidade e da força das mãos e dos pés. Na pele, as manchas esbranquiçadas ou avermelhadas também são uma característica.

Além disso, uma outra especificidade está relacionada ao período de multiplicação das bactérias que costuma ser muito lento, “o que faz com que o tempo entre o contato e os primeiros sinais da doença, o chamado período de incubação, no ser humano, sejam longos”, durando, inclusive, anos até que apareçam os primeiros sinais.

Contaminação
A contaminação ocorre por meio das gotículas de mucosa oral e nasal (espirro, tosse) a partir do contato com pessoas que estão com a doença, mas não estão em tratamento, especialmente com as formas multibacilares, ou seja, quando o indivíduo possui múltiplos bacilos. O médico dermatologista Marco Túlio Oliveira, do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), no Ceará, reforça a importância do diagnóstico precoce, feito a partir da devida atenção aos sintomas mencionados, principalmente porque, em estágios mais avançados da doença, pode haver acometimento nos membros (atrofias) e até cegueira.

Além disso, o especialista evidencia que também existe um fator de pré-disposição genética porque “existem pessoas que já entraram em contato com a bactéria e seus organismos foram resistentes a ela, enquanto em outros indivíduos isso não acontece e acabam desenvolvendo a doença”, ressalta.

Como identificar e tratar
O profissional de saúde analisará as lesões, sinaliza Rossana Veiga, chefe do Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB), do Complexo Hospitalar Universitário da Universidade Federal do Pará (CHU-UFPA), com técnicas para avaliar a sensibilidade cutânea.

Esse teste, em geral, é feito por meio “dos tradicionais tubos com água morna, para verificar a sensibilidade térmica; do algodão, avaliando a sensibilidade tátil; e do instrumento estesiômetro de monofilamentos, para investigar o grau de sensibilidade pelo toque e pressão”, disse Rossana.

Aliado à análise clínica, também pode ser recomendada a biópsia com o exame histopatológico (análise do tecido). Com o diagnóstico, o tratamento é feito gratuitamente pelo SUS, seja por meio das Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou encaminhado para os serviços especializados, com medicamentos que combinam três substâncias antimicrobianas (clofazimina, rifampicina e dapsona). Nos pacientes sem bacilos viáveis (quantidade rara), o tratamento é previsto para seis meses. Para os casos multibacilares, é feito por um ano. É importante mencionar, conforme evidencia a médica, que, uma vez iniciado o tratamento, o paciente não transmite a doença.

Combater o preconceito
Historicamente a hanseníase carrega estigmas por ser uma doença que atinge a pele, pensamento fortalecido por políticas antigas de segregação social das pessoas. “O preconceito remonta aos casos do passado quando não havia medicamentos efetivos para a doença”, conclui Ebert Aguiar, do HDT-UFT.

Neste ponto, a terapeuta ocupacional Cynthia Alves, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG), destaca que a discriminação se constitui como “um dos principais problemas no manejo da doença, atuando como fator de entrave ao seu diagnóstico e tratamento precoce, fundamentais para a cura sem sequelas”.

A informação correta pode mudar essa realidade, por isso, salienta Cynthia, o convívio habitual é mantido com a segurança do tratamento. Para os familiares, é recomendado que também compareçam à UBS para verificar se houve contágio anterior ao início da terapia medicamentosa.

Desafios para o diagnóstico
Dr Paulo Machado, médico preceptor da residência em dermatologia, coordenador e investigador do Serviço de Imunologia do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, vinculado à Universidade Federal da Bahia e à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (HUPES-UFBA/Ebserh), explica que muitos médicos que prestam atendimento em áreas periféricas e regiões do interior, onde a incidência da doença é mais elevada, não recebem treinamento e capacitação adequados para realizar o diagnóstico. Frequentemente, quando o paciente chega ao ambulatório, já se encontra em uma fase avançada da doença, apresentando deformidades ou próximo a desenvolvê-las.

“Mesmo diante das dificuldades enfrentadas pelas pessoas para procurar tratamento, o paciente pode continuar transmitindo a doença por um longo período. Epidemiologicamente, este é um cenário desafiador. Portanto, enfrentamos a tarefa de aprimorar a formação dos profissionais de saúde, a fim de capacitá-los a reconhecer, diagnosticar e intervir na doença o mais precocemente possível”, enfatiza o especialista.

Transmissão
Dr. Paulo destaca que muitos pacientes não transmitem a doença. A maioria das pessoas desenvolve imunidade e não contrai a enfermidade, mesmo quando expostas a um contágio proveniente de uma fonte infecciosa, como no caso de pacientes que apresentam uma forma contagiosa ou transmissível.

“Aqueles que transmitem, ao iniciar o tratamento, deixam de transmitir a doença. Mesmo para quem convive diariamente com fontes de contágio, é difícil contrair a doença; é necessário um contato prolongado com alguém que esteja transmitindo. Portanto, a maioria das pessoas, talvez 80% a 90%, mesmo expostas diariamente a uma fonte de contágio, não adquirem a doença devido à resistência natural”, explica.

Atendimento na Bahia
De acordo com informações da Secretaria Estadual da Saúde da Bahia (Sesab), o estado possui um Programa Estadual de Controle da Hanseníase que desenvolve ações que visam direcionar a prática em serviços de Saúde através da uniformização e sistematização do atendimento ao usuário tendo por objetivo atingir a Meta de Eliminação da Hanseníase como Problema de Saúde Pública no Brasil. O Hospital Couto Maia é o Centro de Referência para atendimento na Bahia.

Já o Hospital Universitário Professor Edgard Santos possui um ambulatório especializado no tratamento da doença, funcionando todas as segundas-feiras no período da tarde. Este serviço atende pacientes de todo o estado mediante regulação e encaminhamento médico.

Dr Paulo informa que em 2023, foram registrados na Bahia mais de 1.500 novos casos, no entanto, afirma que é provável que a quantidade real seja consideravelmente superior, uma vez que houve uma redução de diagnósticos devido à pandemia. “Muitas pessoas deixaram de buscar atendimento médico e, em alguns locais, esse serviço foi interrompido ou reduzido. Portanto, reconhecemos a existência de uma demanda oculta”, ressalta o especialista, expressando sua preocupação e convicção de que o número real de casos é substancialmente maior.

 

Fontes: Hospitais Universitários da rede Ebserh