O papel dos dentistas nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) é cada vez mais reconhecido como fundamental para a segurança e recuperação dos pacientes críticos. Um estudo publicado no International Journal of Dental Hygiene revelou que a atuação odontológica pode reduzir em até 56% a incidência de pneumonia associada à ventilação mecânica, além de contribuir para a diminuição do tempo de internação e dos índices de mortalidade.
A cirurgiã-dentista Flávia Lobão — que atua no Hospital Municipal Evandro Freire, no Rio de Janeiro — explica que a boca abriga mais da metade dos microrganismos do corpo humano. Esse ambiente se torna ainda mais crítico em pacientes com imunidade comprometida, exigindo atenção constante.
“A saúde bucal do paciente crítico é uma questão de segurança. Lesões, infecções dentárias e o aumento da virulência do biofilme oral representam uma porta de entrada para infecções em outros órgãos”, alerta a especialista.
Como infecções orais podem afetar o corpo todo?
O microbioma oral é formado por milhões de bactérias. Quando descontrolado, pode favorecer a ocorrência de pneumonias hospitalares, especialmente em pacientes entubados. O biofilme bucal, por exemplo, pode liberar microrganismos na corrente sanguínea, gerando infecções à distância, inclusive por via hematogênica.
A boca pode ser origem de uma sepse?
Sim. Focos infecciosos bucais são potenciais causadores de sepse, condição grave e de alta mortalidade hospitalar.
“Um foco dentário pode ser a origem de uma sepse. O reconhecimento precoce dessas infecções, com o apoio da Odontologia, é determinante para o prognóstico do paciente”, afirma Flávia.
Como a atuação integrada pode salvar vidas?
A especialista destaca que o trabalho colaborativo entre equipes de medicina, enfermagem, fisioterapia e odontologia é essencial.
“A sepse pode ter várias origens. A comunicação entre as equipes permite identificar rapidamente o foco infeccioso e iniciar o protocolo adequado, reduzindo a morbimortalidade.”
A Odontologia já é prevista em protocolos oficiais?
Sim. Desde 2017, a atuação do cirurgião-dentista está incluída no Manual de Prevenção das Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS), da Anvisa. Em 2023, também passou a constar nas diretrizes de ventilação mecânica elaboradas pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) e pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB).
E nos cuidados paliativos, a Odontologia também faz diferença?
Para Flávia, que atua com pacientes em fase avançada de doenças, o conforto oral deve ser prioridade.
“É um cuidado que vai além da doença, focado no ser humano, respeitando seus valores. O cuidado bucal proporciona dignidade, inclusive nos momentos finais da vida.”
Qual é o futuro da Odontologia nas UTIs?
Além de dirigir o Departamento de Odontologia da AMIB, Flávia acredita que a profissão seguirá os passos da fisioterapia, que entrou nas UTIs no fim dos anos 1970 e hoje é indispensável.
“Acredito que, em poucos anos, acontecerá o mesmo com os cirurgiões-dentistas.”
Ela destaca que instituições como a Universidade de Harvard já contam com o Department of Oral Health and Medicine e promovem campanhas como “Bring the mouth back to the body!”, reforçando a importância de integrar a saúde bucal ao cuidado sistêmico.