Mesmo com apenas três dias de vida, Letícia deixou um legado de amor perfeito

Tempo de Leitura: 6 minutosEm 2022, Auxiliadora Fonseca da Costa, conhecida como Dôia, administradora, então com 49 anos, vivia o sonho de ser mãe quando recebeu uma notícia que mudaria sua vida para sempre. Emocionada, ela relembra em entrevista ao Portal ComSaúde Bahia que, desde criança, sonhava com a maternidade. Após anos em um relacionamento tóxico e várias tentativas frustradas de engravidar, Dôia finalmente recebeu o tão esperado positivo. “Bateu um medo, um desespero e uma felicidade ao mesmo tempo… foi tudo muito estranho”, relata. Durante o primeiro trimestre de gestação de sua tão esperada filha, Letícia, Dôia recebeu uma notícia inesperada: a bebê havia sido diagnosticada com a Síndrome de Edwards, também conhecida como Trissomia 18 — uma condição genética rara, associada a graves malformações, além de desafios neurológicos e cardíacos, e que é frequentemente descrita pela medicina como “incompatível com a vida”. O especialista que acompanhava a gestação confirmou o diagnóstico após uma série de exames e afirmou que a bebê provavelmente não sobreviveria à gestação, e informou que ela teria o direito legal de interromper a gravidez. Mas, naquele mesmo instante, Dôia não teve dúvidas. Diante de um dos momentos mais difíceis de sua vida, ela tomou uma decisão corajosa: seguir adiante com a gestação e acolher sua filha, independentemente das previsões sombrias. Naquela noite em que recebeu a notícia, sozinha e desesperada, ela contou que chorou muito e chegou a questionar a Deus por que aquilo estava acontecendo justamente com ela — alguém que sempre sonhou em ser mãe e dedicou a vida a cuidar de tantas crianças. Naquele momento, tomada por questionamentos, Dôia relata que, de repente, sentiu como se a resposta viesse de dentro dela mesma: “Por que não eu? É claro que sou eu quem deve ser mãe dela. Só eu posso amá-la incondicionalmente, independentemente de como ela venha ou de quanto tempo viva.” Mais tarde, ao compartilhar essa experiência com a cunhada, ouviu: “Essa resposta não veio do nada. Foi Deus quem falou com você, e você apenas repetiu em voz alta.” Aquilo a arrepiou por completo — e ela acredita, de fato, que foi Deus quem falou com ela. “Minha filha era vida“, lembra Dôia com emoção. “Eu sentia ela mexendo no meu ventre, seu coração batendo forte. Ela era a minha menina, a minha Letícia tão sonhada, lutando com toda a força para viver e sentir todo o meu amor.” Diferente de tantos outros casos da mesma síndrome, em que os bebês partem ainda no ventre, Letícia veio ao mundo em 1º de novembro de 2022, prematura, com apenas 840 gramas e 33 centímetros. Mesmo com sua breve permanência de três dias ao lado da mãe, Dôia descreve esse tempo como os momentos mais intensos e felizes de sua vida. Três dias intensos de amor entre mãe e filha. “Letícia viveu três dias ao meu lado — tão pequenina, no bercinho aquecido, ou aninhada em meu peito, dormiu noites inteiras em posição canguru. Senti sua pele, seu cheiro, o som suave de um gemido… cada detalhe dela ficou gravado na minha alma.“   médica revelou que não sabia como Letícia havia nascido viva. Ela não tinha um rim, parte do coração nem os pulmões formados. E, mesmo assim, estava ali. Viva. Ninguém conseguia explicar. Mas todos conseguiam sentir o imenso amor envolvido. “Os profissionais, os médicos, até o diretor do hospital foi me conhecer. Todos se comoveram com o que viam no meu olhar. Porque era impossível não perceber: Letícia era profundamente amada“, relembra, Dôia. Chorando, Dôia relembra que sentiu, no íntimo, o momento em que Letícia estava partindo. Ao seu lado, a família se desmanchava em lágrimas, enquanto ela, em silêncio, mantinha a calma. Quando a médica confirmou que Letícia estava indo embora, Dôia pediu que todos saíssem do quarto — queria ficar a sós com a filha. Ela conta que viu o coraçãozinho da pequena bater cada vez mais devagar, até parar. “Peguei minha filha no colo, já sem a roupinha, e comecei a beijá-la inteira — o peito, o coração… Só conseguia dizer o quanto a amava e agradecer. Eu agradecia por tudo, sem parar“, relembra, emocionada. Ao final da entrevista, ela relembra em detalhes a chegada de Letícia e sua partida, em um domingo, 13 de novembro de 2022. Por decisão conjunta com o pai, Letícia foi cremada. “Não me desfiz de nada. Guardei tudo dela em casa — até as cinzas, que ainda conservo comigo, à espera do momento certo para decidir o que fazer”, relata. Emocionada, Dôia contou que nunca esteve sozinha e que, ao longo de toda a sua jornada, muitos anjos cruzaram seu caminho. “Agradeço muito a Deus por tudo, por ter sentido minha filha dentro e fora do meu ventre. Fiz o enxoval, comprei o bercinho, ela foi batizada no hospital… Eu fiz tudo o que ela merecia. Queria tê-la nos meus braços, viva. E Deus me permitiu isso. Fez isso por nós.” Ponto de apoio e acolhimento Durante a gestação, ela teve o apoio vital da Associação Síndrome do Amor, uma organização dedicada a apoiar famílias como a dela, enfrentando desafios ligados a síndromes raras, genéticas severas, com foco especial na Síndrome de Edwards. “Após a partida de minha pequena Letícia, eu continuei encontrando conforto e propósito na Associação Síndrome do Amor”, compartilha Auxiliadora. “Fui convidada pela fundadora a me juntar à causa de mais de 3.000 famílias no Brasil, lutando para provar que toda vida importa, independentemente do tempo que viva.” Hoje, Auxiliadora dedica sua vida à conscientização sobre a Síndrome de Edwards, preparando-se para o próximo congresso anual da Associação Síndrome do Amor, marcado para este mês. Este evento visa não apenas educar, mas também celebrar a vida e o potencial das pessoas vivendo com Trissomia 18 no Brasil. “Ao longo dos anos, a realidade e os cuidados das pessoas com trissomia 18 vem mudando. Hoje, mediante intervenções médicas, já há adultos vivendo com T18, desafiando as expectativas iniciais“, enfatiza Auxiliadora. “É essencial que a mídia nos ajude a compartilhar essa … Continue lendo Mesmo com apenas três dias de vida, Letícia deixou um legado de amor perfeito