A saúde auditiva dos trabalhadores de eventos ainda é negligenciada – Portal ComSaúde Bahia
Foto:Reprodução/Divulgação
PERDA AUDITIVA
A saúde auditiva dos trabalhadores de eventos ainda é negligenciada
Especialistas alertam para a importância de priorizar os cuidados com a audição a fim de prevenir a surdez
Por:Susy Moreno | 05/12/2023 às 10:41

O verão oficialmente ainda não chegou, mas a abertura das festas já está a todo vapor em vários estados do país, sendo esse cenário ainda mais intenso na Bahia. Com isso, é de suma importância destacar a necessidade de atenção especial aos cuidados com a saúde auditiva, especialmente entre os profissionais do entretenimento durante os eventos de grande porte, devido à exposição prolongada e excessiva à música alta.

De início, as pessoas tendem a associar os músicos aos grandes shows, mas há uma extensa cadeia produtiva por trás da estrutura de eventos que está sujeita, quase da mesma forma, a intensas exposições sonoras. Isso inclui produtores, técnicos de áudio e luz, seguranças, garçons, entre outros profissionais.

Dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que mais de 1 bilhão de pessoas, com idades entre 12 e 35 anos, correm o risco de perder a audição devido à exposição prolongada e excessiva a som alto. De acordo com a OMS, metade de todos os casos de perda auditiva poderiam ter sido evitados. Diante disso, é crucial adotar medidas preventivas, tais como o uso de protetores auriculares, e manter uma constante vigilância sobre o nível de poluição sonora ao qual esses trabalhadores são expostos, a fim de evitar problemas mais graves.

A fonoaudióloga Carla Bahillo, que faz parte do Make Listening Safe da Organização Mundial da Saúde (OMS), integrante também da Dangetous Decibéis Brasil no grupo de estudo para audição segura em shows e eventos, ressalta que os trabalhadores do entretenimento precisam saber do risco que correm. “A grande maioria não sabe dos riscos, muitos têm medo de saber e boa parte destes profissionais nunca fizeram um exame. Se preocupam com roupa, iluminação, cenário, instrumento musical, estrutura, mas esquecem do principal instrumento que e a audição”, garante.

Carla esclarece que, não raramente, os profissionais de eventos estão expostos a níveis superiores a 105 decibéis, o que, segundo a legislação, representa um risco grave e imediato de perda auditiva. A Norma Regulamentadora (NR-15) estabelece que a máxima exposição diária permitida, por até 8 horas, é de até 85 decibéis. “Não é permitido trabalhar sem proteção e sem participar de programas de conservação auditiva”, afirma Carla.

De acordo com Adriano Malvar, atual presidente da Associação dos Profissionais de Eventos (APE) e do Sindicato dos Trabalhadores em Eventos (SINDIEVENTOS), apesar dos órgãos competentes conseguirem mensurar as atuais condições de poluição sonora, os impactos dessa problemática na saúde auditiva ainda são frequentementes subestimados pelas empresas que contratam estes trabalhadores.

Para Aquitê Moreno, técnico de monitor de Xanddy Harmonia, todos os sete sentidos humanos são importantes, mas para aqueles que trabalham com áudio, a audição é primordial. “Nossos ouvidos são nossas ferramentas de trabalho, por isso a importância de manter a saúde auditiva e adotar os cuidados necessários. Entre as diversas precauções, priorizo o uso de filtros atenuadores para garantir níveis seguros de pressão sonora durante os shows, realizo a higienização regular dos fones de ouvido, além de cuidar para manter os níveis de pressão sonora dentro dos limites recomendados para a audição, tanto a nossa quanto a do público”, ressalta.

A perda da audição
A perda de audição é um problema de saúde que atinge milhares de pessoas no mundo todo. “A perda auditiva induzida por níveis intensos de pressão sonora pode ser totalmente evitada, no entanto, uma vez ocorrida, é 100% irreversível”, enfatiza Bahillo.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que mais de 5% da população mundial tem perda auditiva incapacitante. Até 2050 essa porcentagem pode dobrar. É interessante saber que a perda auditiva tem características únicas em cada indivíduo. Os fatores que causam o problema auditivo são diferentes, o grau de surdez e o tratamento variam de pessoa para pessoa.

A otorrinolaringologista do Hospital Mater Dei Salvador, Dra. Loren de Britto Nunes, esclarece que a surdez pode manifestar-se de diversas maneiras, seja por causas genéticas (congênitas ou não) ou adquiridas, apresentando-se em diferentes formas e graus.

“No caso da exposição prolongada a ruídos externos sem a devida proteção, ela afeta um órgão chamado cóclea. Com a exposição contínua ao ruído elevado, as células da cóclea não resistem e se degeneram. A alteração pode ser prevenida, mas uma vez instalada, é irreversível. Para evitá-la, é necessária a adoção de alguns cuidados, como reduzir a frequência do uso de fones de ouvido e usar protetores auriculares quando houver exposição a sons muito altos”, esclarece Dra Loren.

Trabalhadores vulneráveis
Carla Bahillo explica que os riscos auditivos incluem zumbido, perda auditiva temporária e permanente, alterações de pressão e metabólica, irritabilidade, insônia e dificuldades para dormir, bem como de concentração. “O principal problema está na relação entre a intensidade do som e o tempo de exposição”, afirma.

Para o presidente do SINDIEVENTOS a área de eventos costumava ser vinculada exclusivamente ao carnaval, mas esse campo deve ser compreendido de maneira mais abrangente, incluindo eventos esportivos, corporativos, sociais e culturais, abrangendo uma gigantesca cadeia produtiva com diversos profissionais envolvidos. “As produtoras precisam entender qual é a sua posição em relação a esses trabalhadores, que ficam vulneráveis a riscos à saúde o tempo todo e, na sua grande maioria, sem fazer uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs)”, ratifica Malvar.

Adriano Malvar

Situação atual do sindicato
Malvar conta que o sindicato vem se estruturando para criar uma convenção, a fim de estabelecer um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que irá possibilitar a implementação de fiscalizações para minimizar os impactos na saúde destes trabalhadores em diversos aspectos. “É importante que nos organizemos como classe para assegurar a prevalência dos direitos trabalhistas”, enfatiza Malvar.

Ele destaca que, ao longo de 15 anos, tem se empenhado em conscientizar esses trabalhadores sobre seus direitos, especialmente ao enfrentar o medo de retaliação por parte das empresas que contratam esses profissionais. “É crucial lutar por direitos garantidos e não se acomodar em troca de um cachê atrativo. A chegada do sindicato representa uma oportunidade para solucionar essas questões.”

A saúde auditiva dos músicos
Para o músico, é crucial ouvir de maneira apropriada, seja por meio de fones in-ear (dentro das orelhas) ou caixas de som. Isso não apenas assegura a afinação, mas também reduz o risco de esforço excessivo. Segundo Carla Bahillo, normalmente o zumbido é o primeiro sinal percebido de algo que não está bem. Além disso, ela explica que há um enfrentamento com a dificuldade de entender o que foi dito em locais ruidosos e a hipersensibilidade a sons.

“Como a perda induzida pelo som intenso começa pelas frequências agudas, a dificuldade de discriminar e entender o que foi falado é um sinal muito importante. No entanto, isso não funciona tão eficientemente com músicos, pois eles têm uma excelente capacidade de discriminação, o que faz com que demorem a perceber a perda”, afirma Carla. Ainda de acordo com ela, todo profissional que está em um ambiente ruidoso deve estar usando protetor auditivo e fazer parte de um programa de conservação auditiva, conforme determina a legislação brasileira.

Os protetores auriculares
O fone in ear, ou intra-auricular é recomendado como um retorno de palco profissional, sendo seu uso contínuo apropriado para monitorar o som em apresentações, bem como para estudo e prática com instrumentos musicais ou equipamentos de som que excedam o nível de decibéis aceitável (85 dB).

Carla explica que os protetores são eficientes na medida em que o nível de proteção está adequado para o evento, e não se deve retirá-los por nenhum instante. Se o profissional retirar o protetor por alguns minutos, compromete a proteção como um todo, reduzindo-a quase pela metade.

A questão é que o protetor ocupacional não resolve o problema dos profissionais da música, porque precisam se comunicar “Por isso, o protetor ocupacional para o músico não resolve, pois eles acabam retirando toda hora para entender o que está sendo falado. Existem protetores específicos que vêm com três filtros de intensidade diferentes, os quais podem ser trocados de acordo com o nível de exposição que ele terá. No entanto, é preciso saber colocá-los de forma adequada para que a proteção, de fato, exista.”

“O uso de protetor auditivo com filtro flat com atenuação a depender do nível de ruído, ter ilhas de silêncio ou menor ruído como se fosse um fumódromo também pode ajudar a limitar a intensidade do som, além da fiscalização efetiva dos níveis sonoros expostos nestes eventos”, enfatiza Carla.

Um protetor com filtro flat

Cuidados e prevenção
Carla esclarece que, dado o nível de pressão sonora ao qual os profissionais da música estão expostos, é recomendável que sejam avaliados semestralmente. Preferencialmente, essa avaliação deve incluir audiometria de alta frequência, pois muitas vezes a audiometria convencional pode apresentar resultados normais, enquanto as altas frequências estão comprometidas. Contudo, é correto afirmar que esses profissionais devem estar inseridos em um programa de conservação auditiva, que inclua treinamentos, uso de protetores auriculares, ações educativas e controle auditivo semestral.

A fonoaudióloga também enfatiza que o uso de protetor auditivo com filtro flat, com atenuação conforme o nível de ruído, e a criação de ilhas de silêncio ou locais com menor ruído, semelhantes a um fumódromo, também pode ajudar a limitar a intensidade do som. “Além disso, a fiscalização é crucial para garantir que esses ambientes de trabalho não ultrapassem as recomendações dos órgãos competentes”, afirma.

Novo padrão internacional
No ano passado, a Organização Mundial da saúde (OMS) emitiu um novo padrão internacional para audição segura em locais e eventos. O padrão se aplica a locais e atividades onde a música amplificada é tocada. “Milhões de adolescentes e jovens correm o risco de perda auditiva devido ao uso inseguro de dispositivos de áudio pessoais e exposição a níveis sonoros prejudiciais em locais como boates, bares, shows e eventos esportivos”, afirmou Bente Mikkelsen, diretora do Departamento de Doenças Não Transmissíveis da OMS.

Mikkelsen acrescentou no portal da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS): “O risco é intensificado, pois a maioria dos dispositivos de áudio, locais e eventos não oferecem opções de audição seguras e contribuem para o risco de perda auditiva. O novo padrão da OMS visa proteger melhor os jovens enquanto desfrutam de suas atividades de lazer.”

Leis e fiscalizações
A NR-15 estabelece as atividades que devem ser consideradas insalubres, gerando direito ao adicional de insalubridade aos trabalhadores. Esta norma além de estabelecer o uso de protetores de ouvido, faz recomendações para profissionais expostos à altos ruídos com o objetivo de proteger a saúde auditiva das pessoas.

A Secretaria de Desenvolvimento Urbano (SEDUR) é o órgão responsável, entre outras atividades, por autorizar e fiscalizar eventos em Salvador, incluindo o licenciamento sonoro. Segundo Marcia Cardim, gerente da SEDUR, a orientação para as produtoras responsáveis pelos eventos na cidade é que haja, como condicionante, o estrito cumprimento da legislação vigente. Isso abrange o respeito rigoroso aos horários de início e término do evento e ao tipo de atividade sonora a ser realizada.

“Temos, por meio de um decreto, a exigência de que, em festas populares e grandes eventos, as pessoas próximas utilizem protetores auriculares. Isso é de suma importância. realizamos essa fiscalização também durante o carnaval”, afirma Marcia Cardim.

Medidor de pressão sonora