Esta semana foi sancionada pela Presidência da Republica a Lei nº 14.811, que adiciona os crimes de bullying e cyberbullying no Código Penal Brasileiro. A proposição busca coibir práticas que envolvem constrangimento físico ou psicológico tanto no ambiente físico quanto virtual, classificando como crimes hediondos atos praticados contra crianças e adolescentes, como a pornografia infantil, incentivo à automutilação e suicídio.
Especialista em Direito Penal, a professora de Direito do Centro Universitário de Brasília (CEUB) Carolina Costa destaca a importância e os desafios da aplicação da nova legislação. A professora explica que, na prática, as alterações no Código Penal inserem as condutas no artigo que trata de ação ilegal, estabelecendo multa para casos de bullying e reclusão, além de multa para o cyberbullying. A nova lei define a prática de bullying como a intimidação, individual ou em grupo, por meio de violência física ou psicológica.
O bullying e o cyberbullying são problemas globais. No Brasil, dados de um levantamento divulgados pelo IBGE em 2021, apontaram que aproximadamente 23% dos estudantes já foram vítimas da prática de bullying. Dentre os adolescentes, um em cada dez (um total de 188 mil jovens) já se sentiu ameaçado, humilhado e ofendido no ambiente das redes sociais.
A psicóloga da Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ), psicoterapeuta especialista em famílias e casais, Sandra Salomão, que também é professora da PUC Rio e da Universidade de Puglia, na Itália, explica os impactos na saúde emocional das pessoas que sofrem com estes tipos de violências. Ela conta que o bullying sofrido na infância deixa marcas indeléveis, ou seja, seus efeitos duram por muitos anos, são permanentes e não podem ser apagados, já que na maioria dos casos a tendência é que a vítima acredite nas agressões.
O Bullyng
O bullying, também chamado de intimidação sistemática, é “todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas”, conforme definido pela Lei nº 13.185/2015, que instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying).
A professora esclarece que quando uma pessoa, adolescente ou criança sofre bullying, ela desenvolverá uma série de sintomas associados à baixa autoestima, dentre outros sentimentos, como desproteção e fragilidade. “Com tais sentimentos acumulados, o instinto de proteger os pais, a vergonha de pedir ajuda e até a desvalorização de seus sentimentos, infelizmente, muitos casos de bullying culminam em doenças psicossomáticas e, em casos mais graves, podem levar ao suicídio”, explica.
Segundo a professora, a motivação dos agressores é multifatorial. “Em geral, eles se sentem desconfortáveis e buscam fazer com que o outro também experimente esse desconforto. A reprodução de comportamentos agressivos vividos em casa também é válida, mas na maioria dos casos o bullying parte de um sentimento de inferioridade de quem o pratica que só é apaziguado ao desqualificar o outro”, comenta a professora.
Sandra afirma que a nova Lei pode ajudar a inibir estes tipos de violência, pois estabelece limites legais. “No entanto, sozinha, pode funcionar para punir, mas o medo da punição não necessariamente é suficiente. É preciso implementar um programa de saúde emocional envolvendo a equipe das escolas, pais e alunos”, enfatiza.
O Cyberbullying
O cyberbullyng é uma prática de intimidação, humilhação, exposição vexatória, perseguição, calúnia e difamação por meio de ambientes virtuais, como redes sociais, e-mail e aplicativos de mensagens. A incidência maior de casos de cyberbullying ocorre entre os adolescentes, porém há um número considerável de jovens adultos que utilizam essa prática criminosa.
De acordo com a especialista, o cyberbullying é um perigo exponencial, já que há um senso de impotência maior no meio virtual, onde nem mesmo é possível ver o rosto dos agressores e nem se defender diretamente. “As mentiras e insultos se espalham com muita facilidade neste ambiente, então é como tentar se defender de algo muito maior que nós mesmos”.
“O mais importante em casos de cyberbullying é não reter para si o que está sendo falado, procurar se afastar dos comentários maldosos e estar sempre com familiares e pessoas que oferecem suporte. E sempre é importante ressaltar que o mais essencial para as vítimas nesse momento é pedir ajuda, e não se deixar ficar sozinho”, enfatiza.
Multas e punições
Segundo a docente de direito do CEUB, o bullying recebe apenas pena de multa, enquanto o cyberbullying pode ser punido adicionalmente com reclusão de 2 a 4 anos. Para Costa, a distinção reflete um cuidado para evitar a criminalização do bullying, especialmente em relação a adolescentes. “O cyberbullying já não é tão praticado por adolescentes. Muitas vezes os adultos se aproveitam da condição de vulnerabilidade de crianças e adolescentes na internet para praticar bullying, exploração sexual, instigação a práticas de violência. E esse parece ser o maior objetivo da lei, evitar que esse tipo de conduta aconteça”, frisa a especialista.
Além das mudanças em relação ao bullying, a nova legislação aumenta penas para crimes contra crianças e adolescentes em outros contextos. O homicídio de crianças menores de 14 anos, quando ocorrido em uma escola, agora terá a pena aumentada em dois terços. A indução ou auxílio ao suicídio pode ter a pena dobrada se o autor for líder, coordenador ou administrador de grupo virtual.
Sobre a lei – Cyberbullying
No caso do cyberbullying, a nova lei prevê como punição de 2 a 4 anos de reclusão, a partir do constrangimento realizado em redes sociais, aplicativos, jogos online ou qualquer ambiente digital. “A Lei 14.811 complementa um sistema de proteção aos direitos das crianças e dos adolescentes já existente”, afirma Carolina Costa. A especialista ressalta a instituição de um plano nacional de combate à exploração sexual de crianças e adolescentes, um problema estrutural que necessita de aprimoramento nas políticas públicas.
Crimes hediondos
A norma também torna hediondos crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como indução ou auxílio ao suicídio pela internet, sequestro e cárcere privado contra menores de 18 anos, tráfico de pessoas contra crianças ou adolescentes. Isso implica que acusados desses crimes não podem pagar fiança, têm a progressão de pena mais lenta, entre outras restrições.
Para Carolina Costa, as alterações em relação aos crimes hediondos são marcantes e merecem mais estudo, sendo que, de forma geral, a lei vislumbra um projeto de política pública de combate à violência.
Perigos do ambiente virtual
“É cada vez mais necessária essa articulação entre realidades do mundo físico e virtual porque crianças e adolescentes já são nativos digitais,” destaca. Sobre os perigos do ambiente virtual, a professora ressalta que este é um sistema de vulnerabilidade ainda maior, pois muitas vezes não é possível saber a identidade real das pessoas e o alcance da responsabilização é mais complexo. “Um grande desafio da aplicação da lei será a dimensão da responsabilidade dos autores, como é o caso de todos os crimes virtuais”, arremata.