É especialmente significativo celebrar uma conquista inédita no Brasil, que representa uma forma de inclusão e atendimento especializado, respeitando a identidade de gênero e as peculiaridades dos corpos transexuais. Bernardo Costa Silva, homem trans de 24 anos, atualmente no sétimo mês de gestação, foi o primeiro a receber a nova caderneta de acompanhamento gestacional, marcando um momento histórico no pré-natal das pessoas trans no país.
Essa iniciativa inédita foi conduzida pela Maternidade Climério de Oliveira (MCO-UFBA), da Universidade Federal da Bahia, vinculada à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). Instrumento de acompanhamento de gestação, a caderneta é item obrigatório ao longo da gravidez, no entanto, o documento atualmente utilizado pela rede hospitalar nacional é voltado exclusivamente para mulheres cisgênero.
Para preencher essa lacuna, a MCO, que é a unidade hospitalar que mais atende gestantes transexuais em todo o Brasil, passará a utilizar a caderneta como forma de inclusão e para atender demandas específicas para o período gestacional dos homens transexuais.
A maternidade é referência estadual em acompanhamento gestacional de homens trans e, desde 2021, realiza esse tipo de acompanhamento por meio do programa “Transgesta”. “É importante e significativo o lançamento da cartilha Transgesta. É um instrumento que consegue atender, humanizar, acolher e entender as diversidades dos corpos. E, acima de tudo, como centro de referência na assistência a pessoas trans, a caderneta faz com que elas se sintam inseridas em uma assistência construída para atender as suas especificidades”, disse Sinaide Coelho, superintendente da MCO-UFBA/Ebserh.
“O acolhimento no Ambulatório é essencial para nos sentirmos incluídos nos espaços de saúde, principalmente no SUS. E a maternidade Climério de Oliveira trouxe respeito para nós, um pouco de dignidade. Tanto para mim, como gestante, quanto para meu esposo. É um espaço acolhedor, respeitável, onde podemos nos sentir bem, onde não enfrentamos desconforto por olhares, preconceitos, transfobia ou homofobia”, relata Bernardo.
De acordo com Sinaide Coelho, a caderneta tem como objetivo promover inclusão social, visibilidade e senso de pertencimento, além de gerar dados qualitativos e quantitativos sobre gestações transmasculinas. Segundo ela, o uso desse instrumento pode contribuir para a elaboração de políticas públicas que facilitem o acesso, o cuidado seguro e a garantia de direitos, conforme estabelecido nos princípios do SUS (Universalidade, Equidade e Integralidade).
Solenidade de lançamento
A solenidade de lançamento da caderneta ocorreu no último dia 02 de maio, e contou com a participação de representantes da UFBA, Ebserh, Ministério da Saúde, Secretaria de Saúde do Estado e do Município, Ministério Público, Defensoria Pública do Estado da Bahia, profissionais de saúde, bem como pessoas e entidades representativas que se reconhecem e declaram como transexuais, travestis, transgêneras, intersexo e outras denominações que representam formas diversas de vivência e expressão de identidade de gênero.
A caderneta
A produção da caderneta é uma parceria da Maternidade com o Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT), representado pelo pesquisador e ativista Dan Kaio Lemos, e o Ambulatório Multidisciplinar em Saúde de Travestis e Transexuais do CEDAP/Sesab, coordenado por Ailton Santos.
Nesta caderneta de pré-natal, serão registradas as principais informações a respeito da gestação do paciente trans e de sua parceira, além de facilitar o atendimento em caso de alguma intercorrência.
“É uma caderneta desenvolvida para corpos trans. Acredito que terá uma pluralidade de informações que fala sobre nossos corpos, que nos respeitam enquanto homens parturientes e dá uma esperança de inclusão em espaços que não foram feitos para nós. Acredito que irá nos fazer estar em mais espaços de saúde com o mínimo de dignidade e respeito. Mudará a forma como nos tratam, respeitando a nossa identidade de gênero”, disse Bernardo.
Para a diretora de Atenção à Saúde da Ebserh, Lumena Castro, a entrega dessa caderneta é importante para a maternidade, para a Rede Ebserh, mas também para o Sistema Único de Saúde. “Estamos dando um passo muito importante para aprofundar o cuidado singular. A nossa maternidade hoje já é uma referência muito importante no cuidado com a pessoa trans. Do pré-natal, no acompanhamento do parto, no cuidado posterior com o neonato, tudo isso é motivo de orgulho do trabalho que a MCO faz hoje, voltado para a população da Bahia, mas também como uma referência para todo o país”, enfatiza.
O assessor de Conformidade, Controle Interno e Gerenciamento de Risco da Ebserh, José Santana, frisou que além da tecnologia de gestão, do cuidado e de inclusão e acolhimento aos homens trans, a caderneta tem um peso muito simbólico, pois foi construída, pelo hospital, pelos profissionais, usuários do hospital, pelo Sistema Único de Saúde. “Foi um processo de construção de participação e contempla a participação social. Então, esse é um momento simbólico e muito importante e além dos princípios do SUS, a caderneta também representa a luta por direito, por visibilidade. É uma luta que a gente só pode fazer num estado com democracia garantida”, disse.
Confira aqui a caderneta
Projeto “Transgesta”
Com o propósito de aprimorar sua capacidade assistencial na área de atenção à saúde durante e após a gestação, a Maternidade desenvolveu o programa “Transgesta”, voltado para pessoas que se reconhecem e declaram como transexuais, travestis, transgêneras, intersexo e outras denominações que representam formas diversas de vivência e expressão de identidade de gênero. Em 2021, tornou-se referência no atendimento à população trans na Bahia. Desde o início, o programa já acompanhou sete homens trans gestantes, resultando no nascimento de nove bebês na MCO-UFBA/Ebserh.
Pietro Kauê, de 21 anos, teve gêmeos de duas meninas, agora com 9 meses, e realizou todo o pré-natal na MCO através do Programa Progesta. “Eu sofri alguns preconceitos durante a gravidez, mas foram irrelevantes para mim. A experiência na maternidade foi muito tranqüila, fui muito bem tratado. Como não deu tempo de chegar até a Maternidade Climério de Oliveira, eu tive minhas filhas em uma maternidade na cidade de Feira de Santana, onde todos me respeitaram como homem e não houve nenhum preconceito, isso foi muito bom”, contou.
Acesso ao serviço
Para ter acesso ao programa, a pessoa pode ir à Maternidade espontaneamente ou ser encaminhada através da regulação via unidade básica de saúde.
#SaibaMaisComSaúde
Maternidade Climério de Oliveira