Embora o Dia de Finados (02) já tenha passado, optamos por produzir uma matéria sobre as fases finais da vida, destacando o papel crucial dos profissionais empenhados em oferecer um apoio abrangente não apenas aos pacientes, mas também às suas famílias.
Entenda a importância dos Cuidados Paliativos, uma prática no campo da saúde que visa aliviar o sofrimento e tratar não apenas a dor, mas também acolher e conferir um novo significado à vida. “É essencial que todos compreendam que o cuidado paliativo se trata da vida. É sobre como cada indivíduo vive até o dia de sua morte”, ressalta Dra. Milena Ramos, médica paliativista.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), Cuidados Paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, identificação precoce, avaliação impecável, tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais.
Os cuidados paliativos não substituem o cuidado médico da doença. No tratamento do câncer, por exemplo, a doença será tratada pelo oncologista e o paciente receberá apoio da equipe de cuidados paliativos para mitigar os efeitos das complicações decorrentes da sua situação clínica. Esse acompanhamento geralmente é oferecido por uma equipe interdisciplinar, composta por médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, nutricionistas, capelães e voluntários.
O olhar de uma médica paliativista
Dra Milena Ramos, médica Paliativista da Anima – Cuidados Palitivos Domiciliares, Integrante da equipe de Cuidados Paliativos do Hospital Santa Izabel e médica paliativista de referência da Secretaria Municipal de Saúde de Salvador afirma que o Cuidado Paliativo é o melhor cuidado que se pode ofertar a alguém. “Essa linguagem do cuidado deveria ser ofertada a todos os pacientes. Porque além de olhar para todas as dimensões do indivíduo, melhora a qualidade da assistência e otimiza os recursos da saúde”, enfatiza.
A Dra. Milena considera que durante o período de luto é crucial observar diversas situações, como sempre falar a verdade, reconhecer e validar o sofrimento do indivíduo, além de ajudá-lo a compreender que os cuidados paliativos são sobre a vida. Ela complementa: “Trazer a compreensão de que o amor liberta também ajuda muito. Eu tento fazer com que os familiares se desconectem da própria dor, para se conectar com a dor de quem parte”.
Os principais desafios
Segundo Dra Milena, os principais desafios não estão em lidar com o sofrimento humano, mas em desmistificar os mitos que existem sobre os cuidados paliativos. “A grande maioria das pessoas, inclusive os profissionais de saúde, acham que cuidado paliativo é apenas para quem está morrendo. Mudar essa crença é desafiador”, afirma.
Ao ser perguntada sobre como é viver essa experiência no campo dos cuidados paliativos, ela afirmou: “Não dá pra trabalhar em cuidados paliativos e continuar sendo a mesma pessoa. Nossos valores mudam. Nosso olhar sobre a vida e sobre as pessoas mudam. A gente aprende a ressignificar a morte, o morrer e principalmente, a vida”, destaca.
Na perspectiva da saúde mental
Para o psicólogo e psicanalista Antonio Adorno, a notícia do luto são sempre momentos delicados em que a comunicação entre profissional e paciente é decisiva para definir como o sujeito enfrenta esse momento. “Precisamos oferecer a este sujeito as melhores condições de acolhimento para que ele consiga lidar com essa situação limite”, afirma.
Para o psicanalista, é crucial considerar a saúde mental dentro dos limites da própria vida e da finitude humana. Ele ressalta que essas questões naturalmente trazem consigo uma série de desafios, significados, experiências e emoções complexas, o que pode dificultar essa compreensão. “Portanto, a participação ativa no processo de luto, por meio da oferta de terapia adequada e apoio contínuo, podem ter um impacto transformador na vida daqueles que enfrentam perdas significativas”, acrescenta.
Ele esclarece a importância dos cuidados paliativos de uma forma mais abrangente ao resgatar a dimensão de refletir sobre a finitude. “De certa forma, todos estamos sujeitos aos cuidados paliativos, pois a imprevisibilidade da morte e sua iminência afetam a todos”, destaca. Além disso, enfatiza que abordar esse tema nas discussões e reflexões é trazer à tona uma parte intrínseca da vida: o processo da finitude, do luto, das perdas e do processo de adoecimento associado aos cuidados paliativos.
A visão do farmacêutico
O farmacêutico atua junto ao paciente e à equipe multiprofissional na elaboração do plano de cuidados, tanto na seleção e monitoramento da terapia medicamentosa mais eficaz, segura e confortável, quanto na explicação dos procedimentos, no fortalecimento do vínculo e na promoção da autonomia.
Maria Rafaela Alves, farmacêutica clínica paliativista do Hospital Santa Izabel, afirma que encontrou na abordagem dos Cuidados Paliativos uma forma completa de cuidar das pessoas, algo que ela não acreditava praticar ao exercer a profissão. “Sempre que falo sobre farmácia clínica, reforço que o medicamento é uma ferramenta, mas nosso foco de cuidado é a pessoa. Foi assim que aprendi a praticar o cuidado farmacêutico”, ressalta. Ela ressalta, ainda, que sua função nesse processo ultrapassa a simples formulação do plano terapêutico, enfatizando a importância do acolhimento dos pacientes, de seus cuidadores e também da equipe de saúde.
O papel da assistência social
De acordo com a Assistente Social, Aline C. Cintra, pós-graduada em cuidados paliativos e membro do Comitê de Serviço Social da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, o Assistente Social é um profissional que tem acesso a um universo infinito e particular dentro da unidade de cuidado, atuando com o objetivo de acolher, mediar, intervir e fornecer instrumentos para esses sujeitos, em um cuidado multidimensional.
Ela afirma que proteger as pessoas durante seu processo de adoecimento é um dever de todo profissional que atua na área da saúde. Aqueles que estão na condição de paciente e/ou familiar experimentam dores indescritíveis, especialmente quando não têm acesso e acolhimento adequados ao descobrirem uma doença grave, potencialmente ameaçadora de suas vidas.
“Contribuir para o fortalecimento da emancipação e para a formação de consciência crítica a partir de experiências que impactam o sofrimento na dimensão social é de suma importância durante todas as fases do adoecimento, no cuidado de fim de vida e no luto”, reforça Aline.
Outros profissionais
É importante ressaltar que outros profissionais, incluindo enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, desempenham papéis essenciais nesse processo de cuidado, o que torna o trabalho na área de Cuidados Paliativos ainda mais abrangente e completo.
O trabalho em um hospital público
Um exemplo da importância desse cuidado é o trabalho desenvolvido no Hospital Universitário Professor Edgard Santos (Hupes), da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Desde 2016, o Hupes tem implementado ações focadas no ensino, pesquisa e assistência, com a participação de uma equipe multidisciplinar atuante na Comissão criada para esse fim, embora este trabalho ainda não seja oficialmente considerado um serviço na Unidade Hospitalar.
De acordo com a Dra. Alini Ponte, médica geriatra paliativista e presidente da Comissão no Hupes, a equipe do Hospital é composta por três médicos, uma psicóloga, duas enfermeiras, quatro médicos, duas psicólogas, uma farmacêutica, uma terapeuta ocupacional e uma fisioterapeuta.
O trabalho é conduzido através de ações e estratégias diante do processo de adoecimento do paciente. Diversas atividades são realizadas visando proporcionar um acolhimento mais humanizado para os pacientes e suas famílias, como visitas regulares às enfermarias para assistência direta aos pacientes, reuniões sistemáticas com grupos de estudos para introdução de novas práticas, treinamentos com as equipes, e promoção de ações de humanização, como a visita de animais em espaços de acolhimento para esses pacientes.
Neste cenário, reconhecer a importância do luto e a contribuição fundamental dos cuidados paliativos se torna crucial na promoção de um processo de cura abrangente e significativo para indivíduos e comunidades.