O fenol, agente cáustico aplicado à pele, proporciona uma lesão química controlada da epiderme e sua reepitelização — resultando em uma superfície mais lisa. O peeling usando a substância, popularizado como forma de rejuvenescimento facial, foi oficialmente proibido pela Anvisa em junho de 2024, após a morte de um jovem de 25 anos, em São Paulo, por complicações consequentes do procedimento realizado em uma clínica que não contava com a regulamentação necessária para oferecer o serviço.
Ainda há muito desconhecimento acerca dos riscos da aplicação do produto. Enquanto não houver normas de segurança específicas, ele não será liberado para uso. O alerta é de Nathaly Ciaramicolo, odontologista graduada e mestre pela Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP, que desenvolveu uma pesquisa com o intuito de expor os efeitos adversos associados ao uso irresponsável do peeling de fenol já registrados na literatura.
“A proibição do produto já foi um grande avanço para que os comitês de ética possam aprovar nossas pesquisas”, afirma a pesquisadora. Com dados desde a segunda metade do século 20, o fenol já foi usado de diversas formas antes de se tornar um procedimento popular no cenário pós-pandemia.
“Antigamente, cirurgiões plásticos que realizavam o tratamento com fenol faziam a dermabrasão (remoção controlada das camadas mais superficiais da pele) com uma lixa, e o peeling era aplicado por cima”, conta a pesquisadora. “Os resultados eram incomparáveis, mas entrou em desuso pelo potencial de causar um câncer de pele.”
Recentemente, a divulgação do fenol nas mídias sociais como um tratamento inovador preocupou Nathaly, que trabalha com cirurgia e harmonização facial numa linha de naturalidade e de segurança.
Juntamente com o professor Osny Ferreira, associado à FOB, e Gabriela Barbosa, residente em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial no Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), a pesquisadora decidiu buscar informações mais aprofundadas sobre o tema. “Entrei em contato com alguns profissionais famosos por realizar esses procedimentos, mas eles não me responderam para compartilhar a experiência”, comenta. “Então, nós fomos atrás de um histórico da utilização do fenol.”
O Fenol
O ácido carbólico (ou fenol) surgiu no período pós-Segunda Guerra Mundial e entre as complicações mais comuns do seu uso estão a despigmentação da pele, eritema, hiperpigmentação, infecção, milia (pequenos cistos cutâneos), cicatrizes, e ectrópio da pálpebra inferior (pálpebra voltada para fora e afastada do globo ocular). “Ele atua no processo de transformação das células que produzem melanina”, explica a pesquisadora. “Então, pode causar uma reação autoimune, na qual o nosso próprio corpo ataca essas células.”
O primeiro registro de reações graves com risco de morte é dos anos 1960. Segundo Nathaly, o produto é altamente tóxico, principalmente para os rins, para o fígado e para o coração. “Ele também pode afetar os pulmões, pois forma um gás que é inalado pelo paciente durante a aplicação.” Foi necessário o desenvolvimento de um protocolo para aplicação: os profissionais que utilizavam-no deveriam aplicá-lo em uma área pequena e com grandes intervalos de tempo, pois cerca de 75% do produto é metabolizado nos primeiros 15 a 20 minutos.
Impactos na saúde
Níveis mais elevados de absorção de fenol podem causar problemas renais e cardíacos. Por essa razão, recomenda-se que o procedimento seja acompanhado de monitoramento cardíaco e infusão intravenosa para forçar a diurese. Ele é contraindicado para usuários de medicações anti-hipertensivas e antidepressivas, que potencializam o efeito cardiotóxico, com possíveis danos ao coração.
A odontologista explica que, no passado, o formocresol, um derivado do fenol, era utilizado no tratamento de canal dentário. Porém, uma pesquisa de 2012 feita por odontopediatras com 40 crianças revelou que essa substância altera geneticamente as células da polpa do dente, e seu uso em crianças foi banido.
“Foi comprovado que causa rupturas nos cromossomos celulares, então não podemos descartar que cause uma lesão cancerígena”, aponta. Entretanto, a questão da carcinogênese do peeling de fenol não foi avaliada, e, para Nathaly, deve ser um foco de pesquisas futuras.
Para a pesquisadora, o Brasil sofre com uma regulamentação falha em todo o ramo da estética, principalmente na questão da preparação de profissionais. “Para fazer um procedimento, nós precisamos ter competência não somente para fazê-lo, mas também para lidar com as intercorrências”, opina. “Se o profissional não tem a estrutura adequada no seu consultório, ou capacitação como cirurgião para realizar uma medida de urgência, isso é muito sério.”
Apesar da proibição, o óleo de cróton, um dos componentes da fórmula mais conhecida do peeling de fenol, continua sendo utilizado. Irregularidades na dosagem e na composição da fórmula podem representar graves riscos à segurança dos pacientes. “Muitos profissionais vendem os seus produtos prontos, se você fizer o curso deles; então [a estética] se torna um mercado: não é feito mais ciência, é feito comércio.”
“A mídia [social] é nossa aliada para muita coisa, mas também nos atrapalha, porque tudo parece fácil. Com um curso de final de semana, que profissionais divulgam na internet, eu posso começar a atuar no meu consultório e ter lucro. É algo que sai barato, mas as consequências são muito caras — principalmente para o paciente”, diz Nathaly
Em sua tese de doutorado, a pesquisadora avaliou se o mundo virtual tem relação com o aumento da busca pelos procedimentos estéticos. “Utilizamos as ferramentas do Google Trends para analisar essas tendências, e verificamos que, a partir de 2012, com o lançamento do Instagram, a busca pelos procedimentos cresceu muito”, explica. “Ocorrem picos de acordo com notícias que saem nas mídias — algum artista famoso que fez um procedimento, ou o lançamento de algum produto.”
Perante esse cenário, a principal urgência é a conscientização do profissional de saúde, para evitar a propagação de informações enviesadas. “Os profissionais de saúde têm um juramento, um comprometimento com a ética”, lembra. “Atualmente, os alunos já começam a fazer marketing em rede social na graduação, sem o preparo e a experiência que vêm com o tempo.”
O artigo Efeitos adversos associados ao uso irresponsável do peeling de fenol: revisão de literatura está disponível on-line, e pode ser lido aqui.
Mais informações: [email protected], com Nathaly Ciaramicolo
Fonte: Jornal da USP