No Dia das Crianças, enquanto muitos olhares se voltam para presentes e consumo, especialistas lembram que o verdadeiro presente pode estar no simples ato de brincar em família. A fonoaudióloga Angelika dos Santos Scheifer, especialista em atraso de fala, e a neuropsicopedagoga Silvia Kelly Bosi, com atuação voltada ao autismo, destacam que é durante o brincar que a criança descobre sons, aprende a se comunicar e desenvolve formas de se relacionar que serão decisivas para toda a vida.
Brincar é falar, sentir e aprender
Pesquisas recentes reforçam essa importância. Uma meta-análise publicada em 2024 no Journal of Autism and Developmental Disorders concluiu que intervenções lúdicas mediadas pelos pais têm efeitos moderados a fortes no desenvolvimento da linguagem e da comunicação social de crianças com autismo em idade pré-escolar.
Além disso, outro estudo divulgado na BMC Sports Science, Medicine and Rehabilitation mostrou que jogos recreativos com bola, realizados por 12 semanas, melhoraram significativamente a consciência social, a cognição social e a comunicação de crianças com transtorno do espectro autista. Esses resultados indicam que o brincar pode funcionar também como um recurso terapêutico complementar.

Por outro lado, a brincadeira espontânea também tem papel essencial nas primeiras etapas da vida. Uma pesquisa publicada na revista Infant Behavior and Development e analisada pela ScienceDaily revelou que bebês nos primeiros 12 meses exploram sons por meio de risadas, grunhidos e balbucios, em um verdadeiro “brincar vocal”. De acordo com os cientistas, esse processo é uma base autoexploratória fundamental para o desenvolvimento da fala.
Da mesma forma, uma revisão sistemática publicada em 2024 pela MDPI destacou o papel dos chamados “serious games”, jogos digitais desenvolvidos para estimular fala e linguagem. Esses recursos, segundo o estudo, aumentam a motivação, favorecem a autonomia e potencializam o aprendizado de crianças com dificuldades de comunicação.
Assim, tanto o brincar tradicional quanto as novas ferramentas digitais demonstram contribuir de maneira significativa para o desenvolvimento infantil.
O brincar no cotidiano familiar
Para a fonoaudióloga Angelika, os achados científicos apenas confirmam o que ela observa diariamente em sua prática clínica.
“A fala acontece em casa, no convívio diário. O simples ato de brincar de bola, cantar músicas ou inventar histórias com utensílios domésticos pode ser muito mais poderoso do que qualquer brinquedo sofisticado. Para crianças autistas é importante que os pais estimulem o brincar com as coisas que a criança gosta e cause sensações positivas, com alegria e leveza”, afirma.
Além disso, Silvia complementa que, no caso de crianças autistas, o brincar estruturado é fundamental para a inclusão.
“Quando o adulto organiza a atividade, estabelece turnos, usa a imaginação e respeita os interesses da criança, cria-se um espaço de aprendizado que vai além da diversão. Brincar é também ensinar a se comunicar e conviver”, destaca.
Essas orientações reforçam que o brincar não deve ser visto apenas como passatempo. Pelo contrário: é uma oportunidade diária de aprendizado, vínculo afetivo e desenvolvimento de habilidades essenciais.
Brincar é o presente mais valioso
Mais do que presentes caros, as especialistas defendem que o tempo de qualidade em família é o que realmente deixa marcas duradouras. Ao narrar o que acontece durante a brincadeira, responder aos gestos e sons da criança e se engajar ativamente no jogo, os pais tornam-se protagonistas do desenvolvimento infantil.
Dessa forma, o ato de brincar transforma-se em um gesto de amor e estímulo, capaz de fortalecer laços, ampliar a comunicação e favorecer a inclusão.
Neste Dia das Crianças, portanto, o convite é repensar o verdadeiro significado do presente. Brincar junto, rir, inventar histórias e participar da vida da criança são atitudes que valem muito mais do que qualquer embalagem colorida. Afinal, é no brincar que a fala acontece, e que a infância se torna ainda mais plena.