Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), pessoas intersexo nascem com características sexuais físicas — como anatomia sexual, órgãos reprodutivos, padrões hormonais e/ou padrões cromossômicos — que não se enquadram nas definições típicas para corpos masculinos ou femininos. A intersexualidade é uma condição clínica que atinge, em média, 1,7% dos recém-nascidos no mundo, de acordo com dados da ONU. No Brasil, isso pode significar 3,5 milhões de pessoas.
O intersexo, antigamente conhecido como hermafrodita (hoje em desuso por ser um termo pejorativo), ainda é um assunto pouco falado e atinge, segundo a ONU, entre 0,5 e 1,7% da população mundial. Essa condição biológica se caracteriza por uma inconformidade entre o sexo cromossômico, o sexo gonadal, e o sexo fenotípico, ou seja, como a genitália interna e externa se apresentam.
Esse tema ganhou mais destaque após a jornalista e fotógrafa brasileira Céu Ramos de Albuquerque se tornar a primeira pessoa no Brasil a obter aprovação judicial para incluir o termo “intersexo” em sua certidão de nascimento, em vez de especificar o sexo como feminino ou masculino. Contudo, é importante ressaltar que cada indivíduo, independentemente de sua condição genética, tem sua própria identidade de gênero.
O Dr. Ubirajara Barroso Jr., Chefe do Departamento de Cirurgia Afirmativa de Gênero da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), explica que esse termo é usado para um conjunto de variações congênitas em que as pessoas nascem com órgãos genitais que apresentam uma aparência diferente de sua realidade cromossômica, sendo XX associado ao sexo feminino e XY ao sexo masculino.

“Uma criança que nasce com o órgão sexual com a aparência de uma vagina, mas na realidade seu cromossomo é XY, ou ao contrário, tem testículos, mas possui cromossomo XX, ou, o que acontece na maior parte das vezes, uma atipia genital com características tanto de pênis, quanto de vagina no mesmo órgão”, explica Dr Ubirajara.
Variedade de condições
O intersexo é um guarda-chuva que abriga várias condições e cada uma se apresenta de uma forma diferente e tem as suas especificidades. Essas variações são definidas de acordo com a anatomia sexual, genética ou reprodutiva do paciente.
Dr. Ubirajara aponta a deficiência de 5alfa-redutase como uma dessas variações. “Ela se traduz como uma condição na qual a criança nasce com o cromossomo XY, mas por uma deficiência de 5alfa-redutase, enzima que converte a testosterona em di-hidrotestosterona, principal responsável pela formação do órgão genital masculino, a genitália possui uma característica atípica ou mesmo feminina”, complementa.
Hiperplasia adrenal
De acordo com o médico, a hiperplasia adrenal congênita também pode ser definida como intersexo. Ele detalha que algumas crianças nascem com cromossomo XX (feminino), mas, por haver excesso de hormônio masculino produzido pelas glândulas adrenais, pode ter uma genitélia atípica e até desenvolver uma genitália masculina.
“Pela congruência entre o sexo genético (XX), por terem ovários, útero, trompas e vagina, além de a identidade de gênero ser congruente com a da mulher, na maioria dos casos, o sexo de criação tende a ser feminino”, explica Dr. Barroso que também é chefe da divisão de cirurgia urológica reconstrutora e urologia pediátrica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, da Universidade Federal da Bahia.
Alteração ovotesticular
A alteração ovotesticular é outra variação do intersexo. Essa condição ocorre quando o indivíduo possui testículos, mas também ovários. O aspecto do genital é diversificado a depender da predominância de testosterona ou estrogênio, podendo parecer mais com o masculino ou com o feminino.
“Outras vezes, numa mesma gônada há tecido ovariano e tecido testicular e a pessoa vai ter o hormônio predominante aquele que for mais produzido. Então pode haver predominância, se for de estrogênio mais características feminina, se for testosterona mais características masculina”, destaca.
Síndrome de insensibilidade androgênica
A síndrome de insensibilidade androgênica também se classifica como intersexo. Ela pode ser completa ou parcial. O Dr. Ubirajara Barroso explica que na insensibilidade androgênica completa há produção de testosterona pelos testículos, porém as células do corpo são insensíveis a esse hormônio.
“A genitália externa é semelhante ao de uma pessoa do sexo feminino ao nascer, porém o genótipo é do sexo masculino (XY). Nesses casos há ausência de colo uterino, ovários ou útero, com presença de testículos”, detalha Dr. Barroso.
Na insensibilidade androgênica parcial o genótipo também é masculino (XY), mas a genitália externa é parcialmente masculinizada. “Pessoas que têm mais sensibilidade à testosterona terão o órgão genital mais parecido com um pênis”, aponta.
Reconstrução genital
Dr. Barroso explica que essas atipias genitais podem ser descobertas ao nascimento ou apenas no período da puberdade, quando por exemplo, a menina não menstrua e ao fazer uma avaliação percebe-se que ela tem testículos retidos na barriga, por exemplo, ou um menino que tem um pênis pequeno, ao se avaliar, percebe-se que ele possui ovários.
“Em ambos os casos é possível fazer uma reconstrução genital para propiciar uma melhor qualidade de vida às pessoas intersexo. A atuação médica nesses casos é muito importante para as famílias que devem receber aconselhamento e apoio adequados de modo que nenhum procedimento vá interferir na vida social e sexual da criança futuramente”, destaca.
A intersexualidade não está relacionada a orientação sexual. A realização da cirurgia, pela variedade de condições associadas, deve ser discutida individualmente caso a caso.
Reconhecimento da intersexualidade
O reconhecimento concedido pela Associação Brasileira Intersexo (Abrai) vem logo após a divulgação pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de que 1,7% da população mundial é considerada intersexo
Conforme reportagem no Portal das Nações Unidas Brasil, para seguir avançando, a Rede Brasileira de Pessoas Intersexo (Intersexo Brasil) reforça a importância de formações contínuas para profissionais de saúde com noções de bioética e valorização do papel essencial da pessoa paciente no processo terapêutico e de seus direitos na busca por um cuidado em saúde inclusivo, além de apoio psicossocial e recursos de saúde mental para pessoas intersexo e suas famílias, a fim de apoiar na compreensão e aceitação das variações intersexo.