No Brasil, a formação médica está diante de desafios consideráveis, principalmente devido à proliferação de faculdades de medicina que, frequentemente, carecem da estrutura e dos recursos adequados para oferecer uma educação de qualidade aos futuros profissionais de saúde. Nos últimos anos, tem-se observado um expressivo crescimento no número de instituições de ensino médico, o que resultou em um considerável aumento na quantidade de médicos formados anualmente.
De acordo com os dados do estudo ‘Demografia Médica no Brasil 2023’, existem atualmente 389 escolas de medicina em funcionamento, localizadas em 250 municípios, oferecendo um total de 40 mil novas vagas anualmente. Nos últimos 20 anos, a expansão da oferta de cursos de medicina no Brasil apresentou uma característica proeminente: a maioria das novas vagas foi aberta por instituições de ensino privadas. Durante esse período, o número de vagas de medicina em universidades públicas aumentou de 5.917 em 2003 para 9.725 em 2022, representando um crescimento de 64%. Por outro lado, as vagas oferecidas por escolas médicas privadas aumentaram de 7.001 para 32.080, refletindo um crescimento de 358%.
Recentemente o Ministério da Educação divulgou uma portaria que permite a abertura de novos cursos de medicina através de chamamento público, priorizando regiões do Brasil com baixa relação entre o número de habitantes, vagas em faculdades e densidade de médicos locais. A medida foi implementada após o término da suspensão de 5 anos para a criação de novos cursos de medicina, estabelecida durante o mandato do ex-presidente Michel Temer
No entanto, a expansão rápida e descontrolada das faculdades de medicina levanta preocupações quanto à qualidade do ensino e à capacitação dos alunos. Muitas dessas instituições carecem de corpo docente qualificado, infraestrutura adequada e acesso a recursos clínicos essenciais para garantir uma formação médica abrangente e sólida. Isso cria uma disparidade preocupante entre a demanda por profissionais de saúde competentes e a qualidade da formação que os estudantes estão recebendo.
Posição das entidades médicas
O entendimento da Associação Baiana de Medicina (ABM) é de que o país não precisa apenas de mais médicos, mas de médicos melhor formados. Dados da Associação Médica Brasileira (AMB) mostram que o país possui mais de 560 mil médicos, tendo 2,7 profissionais por 1 mil habitantes. Esse índice praticamente dobrou desde 2013 e supera os de países como Japão e Estados Unidos. Atualmente, com 389 escolas de medicina em funcionamento, que juntas formam mais de 30 mil profissionais por ano, até 2035, o país terá cerca de 1 milhão de médicos em atividade.
A nota de repúdio publicada pela ABM faz um alerta para o risco da abertura indiscriminada de cursos de medicina no país. “A medida foi anunciada pelo Ministério da Saúde e pode prejudicar a qualidade da assistência em saúde. O principal risco é que essa decisão pode expor pacientes a médicos com formação insuficiente”. E reforça que: “Diante deste cenário e em conformidade com o Conselho Federal de Medicina (CFM), a ABM defende a necessidade de adoção de critérios mínimos para implantação de cursos de medicina, a exemplo da presença de hospitais de ensino nos municípios onde funcionam. Também é necessária a colaboração dos Ministérios da Educação e da Saúde na definição de critérios”.
O Dr. Júlio Braga, Coordenador da Comissão de Ensino Médico do Conselho Federal de Medicina (CFM), ressalta a ausência de uma avaliação formal unificada para os estudantes de medicina no Brasil. Ele destaca que a maioria das faculdades aprova todos os alunos, resultando na entrega automática de diplomas. Além disso, enfatiza a falta de critérios bem definidos para a qualidade dos cursos, o que gera insegurança quanto à qualidade da assistência. “Embora a maioria dos médicos trabalhe fora de hospitais, a formação necessita de estágios nestes locais e não consta um número mínimo de leitos hospitalares nas exigências do MEC, que focou em aspectos econômicos. E é imprescindível estabelecer um exame de egressos com sanções, até fechamento, de cursos mal avaliados”, ressalta o Dr. Júlio.
Já o Dr. Raymundo Paraná, médico hepatologista e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), chama a atenção que a imposição de uma moratória em cursos médicos, que previa a interrupção das autorizações de novos cursos, é inaceitável, uma vez que uma sociedade moderna não pode rejeitar bons projetos devido à existência de outros de qualidade inferior em funcionamento. “Isso é resultado da ausência de um sistema regulatório e de fiscalização eficaz, o que permite o funcionamento precário dessas instituições”, afirma.
Impactos na qualidade da assistência
A falta de preparo adequado nas faculdades de medicina pode ter consequências sérias, não apenas para os alunos, mas também para a saúde pública em geral. A formação médica deficiente pode levar a uma prestação de cuidados de saúde inadequada, diagnósticos errôneos e tratamentos ineficazes, comprometendo a segurança e o bem-estar dos pacientes. “Os impactos dos insucessos e as possibilidades de resultados negativos para os pacientes, aliados à falta de resolutividade e ao aumento dos custos do sistema, estão inviabilizando o funcionamento do SUS e, aos poucos, começam a afetar também a saúde privada”, enfatiza Dr Raymundo Paraná,
Diante desse cenário, é fundamental implementar padrões mais rigorosos para a criação e reestruturação de faculdades de medicina, garantindo que apenas instituições com recursos adequados e compromisso com a excelência educacional sejam autorizadas a oferecer programas de formação médica. Além disso, é essencial promover uma supervisão mais rigorosa e regulamentação por parte das autoridades competentes para garantir a qualidade do ensino e, consequentemente, a competência dos futuros profissionais de saúde.
A formação médica é uma área crucial que requer muita atenção. Por isso, optamos por abordar o tema da Formação Médica no Dia do Médico, uma vez que essa preocupação também é compartilhada por eles, considerando que o objetivo primordial da profissão é salvar vidas e cuidar das pessoas.

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